Por onde anda o operário que já foi presidente da Polônia e a quem Lula chamou de pelegão

Jornal brasileiro entrevista Lech Walesa, que, juntamente com Lula, é um dos líderes sindicais mais importantes da sua geração. Ex-presidente do sindicato Solidariedade e também ganhador do prêmio Nobel de 83, Walesa se afastou da política e hoje diz que gostaria de ser convidado a visitar o Brasil e rever Lula, qucom quem teve divergências

Luiz Inácio Lula da Silva e o polonês Lech Walesa são possivelmente os dois mais importantes líderes sindicais de sua geração. Ambos despontaram nos anos 70, tiveram participação ativa em momentos históricos de seus países, combateram ditaduras, foram presos, criaram movimentos políticos e chegaram à Presidência. Mas a trajetória semelhante não bastou para atenuar as divergências. A relação entre os dois sempre foi tensa, desde o primeiro encontro, quase 30 anos atrás. Nenhum deles nunca escondeu isso. Lula já chamou Walesa de “pelegão”. O polonês responde dizendo que ele não mudou, mas Lula sim. “Eu continuo com minhas idéias principais, de liberdade, democracia e livre mercado. Ele desistiu das dele.” Lukasz Glowala

Mais gordo e com os cabelos e bigode completamente brancos, Lech Walesa (pronuncia-se lék vauensa) continua morando em Gdansk, cidade portuária no norte da Polônia onde iniciou a sua vida sindical. Afastado da política desde a desastrosa derrota nas eleições presidenciais de 2000, Walesa dirige hoje uma fundação que leva seu nome. Na semana passada, ele recebeu para uma entrevista, em seu escritório, três jornalistas brasileiros, entre os quais o enviado do Valor. 

O tema Lula não demorou a surgir. “Nós nos conhecemos, tivemos nossas discussões algum tempo atrás. Somos parecidos, mas eu estava fugindo do comunismo e do socialismo, e ele estava buscando o comunismo e o socialismo. Essa era a nossa diferença”, resume Walesa, hoje com 65 anos. 

Eletricista, ele trabalhava nos estaleiros Lênin, em Gdansk, quando eclodiram os primeiros focos de agitação trabalhista no país. Participou do comitê de greve em 1970, quando houve confrontos entre trabalhadores e a polícia. Em 1976, foi demitido. Em 1978, juntou-se ao grupo clandestino que buscava organizar um sindicato independente, o que era proibido pelos regimes comunistas em todo o Leste Europeu, como o da Polônia. Em agosto de 1980, Walesa liderou uma greve nos estaleiros, que rapidamente se alastrou pelo país.

Para tentar conter o movimento, o governo polonês recuou e permitiu a criação de um sindicato livre, o Solidariedade, liderado por Walesa, do qual faziam parte trabalhadores, estudantes, intelectuais e dissidentes poloneses. Em dezembro de 1981, diante da ameaça de invasão da Polônia pela União Soviética, que desaprovava o surgimento de uma oposição organizada, foi declarada lei marcial na Polônia e Walesa ficou 11 meses preso. 

A carreira de Walesa foi marcada, assim, pela luta contra a ditadura comunista, que lhe valeu o Nobel da Paz em 1983. O prêmio, criticado pelos regimes comunistas como um ato de provocação, foi recebido por sua mulher, Danuta, já que o governo polonês o impediu de ir a Estocolmo para a cerimônia de entrega. 

Ele mesmo deixa claro que derrotar o comunismo foi a missão de sua vida, assim como a de seu compatriota Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, a quem Walesa, católico fervoroso, muito admirava. Graças ao papa polonês, o Solidariedade recebeu grande apoio internacional nos anos 80. A central sindical, que existe até hoje, mas sem a importância de antigamente, continua muito próxima da Igreja Católica. 

Desse modo, o confronto com Lula, que era então abertamente socialista, foi inevitável. Os dois se encontraram pela primeira vez em Roma, não por acaso bem perto do Vaticano de João Paulo II. “O Walesa era um ´pelegão´. Encontrei com ele em Roma, em 1980. Ele saiu de lá com 60 milhões para a gráfica do Solidariedade. Eu saí com o dinheiro da passagem de volta. Ele era bajulado porque estava lutando contra o comunismo”, disse Lula durante a campanha eleitoral de 2002, segundo registrado no documentário “Entreatos”, de João Moreira Salles. 

Ele diz se recordar de conversas e discussões com Lula naquela época. Elas foram “educadas, mas duras”, relembra. “Ele era teimoso no seu ponto de vista, e eu era teimoso no meu. Ele mudou muito, e acho que eu não mudei. Bem, fisicamente, sim, claro, mas não politicamente.” 

Em meio à deterioração da situação econômica da Polônia, Walesa liderou, a partir de 1987, um comitê temporário, ilegal mas tolerado pelo regime, do proscrito Solidariedade. O comitê evoluiu e se tornou, na prática, um partido político, que venceu as eleições limitadas em 1989. Walesa ajudou então a costurar um acordo que permitiu a formação de um governo de coalizão não comunista, liderado por Tadeusz Mazowiecki, o primeiro num país do bloco soviético. Após a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, o comunismo ruiu, e Walesa foi eleito presidente em dezembro de 1990. 

Questionado, Walesa afirmou que gostaria de se encontrar com Lula e que visitaria o Brasil, se fosse convidado. “Nós saímos igualmente do sindicato. Ele foi presidente, e eu fui presidente. Talvez seja hora de que alguém, ou nós mesmos, façamos um balanço de como foram as coisas e que vejamos até onde cada um foi.” 

Walesa não foi muito longe politicamente. Seu governo foi atribulado. Havia no país uma grande expectativa de melhoras imediatas com o fim do comunismo, que não se realizaram. Pelo contrário, houve uma enorme recessão. Sem o inimigo comum (o comunismo), a coalizão que apoiava Walesa, formada por grupos que iam desde a direita católica até a esquerda democrática, logo se dividiu. A inexperiência e a personalidade forte de Walesa também prejudicam o seu governo. O resultado foi que ele perdeu a reeleição, em 1995, por dois pontos percentuais, justamente para um adversário ex-comunista, Aleksander Kwasniewski. O pior viria na eleição presidencial de 2000, quando Walesa obteve apenas 1,01% dos votos, o que o sepultou politicamente. 

Mas o eletricista de Gdansk está convencido de que, de um ponto de vista mais amplo, levou a melhor sobre o metalúrgico de São Bernardo. “Seria interessante descobrir quem venceu, ele ou eu…, saber o quão longe ele foi na sua estrada [o socialismo] ou se desistiu dela. Eu mantive a fé na minha estrada”, provocou. 

“Fomos ambos carregados pelas massas, pelos sindicatos. Talvez as massas no Brasil achem que ele as traiu. E, no meu país, achem que eu as traí. Nesse ponto, talvez sejamos também similares. Mas para mim foi mais difícil, pois ele pôde se sustentar com medidas populistas, e eu não podia. Eu tinha de ser contra o populismo, tinha de construir o capitalismo, e as massas queriam socialismo, proteção social. Ele propunha o socialismo, então estava mais sintonizado com as massas. Mas quem entregou mais? Essa é a questão. Podíamos comparar, seria interessante.” 

É uma comparação complexa. Walesa foi um homem de uma missão: derrotar o comunismo, “matá-lo completamente”, como ele disse. Bem ou mal, conseguiu. A sua Polônia é hoje, 13 anos depois de seu governo, uma democracia relativamente próspera, membro da União Européia e da Otan. 

“Tivemos uma grande renovação no país. Se alguém me dissesse dezenas de anos atrás que eu viveria para ver isso, que a Polônia seria livre, que não haveria comunismo, que a Europa estaria unificada, eu não acreditaria que isso aconteceria na minha vida. Se soubesse disso naquela época, teria sido o homem mais feliz da galáxia. Mas vivi para ver essas coisas. Quando vejo, porém, quantas coisas poderiam ter sido feitas de modo melhor, de modo mais sábio, não fico feliz.” 

Certamente seus compatriotas gostariam que muitas coisas tivessem sido feitas de modo melhor. As derrotas eleitorais evidenciaram que sua missão havia acabado com a transição política e que ele não era o homem para conduzir a Polônia capitalista ao século XXI. Mesmo o objetivo inicial de sua fundação, que era vigiar as reformas, foi mudado. “Com o tempo, ficou claro que a Polônia não precisa mais ser vigiada, pois está rumando para a direção certa.” 

Apesar de ter se tornado até nome de aeroporto em Gdansk, Walesa não é uma unanimidade nacional. Ficou isolado politicamente. Não foi convidado pelo atual presidente, Lech Kaczynski, um adversário político, para as comemorações dos 90 anos da independência do Polônia, neste mês. Chegou a ser acusado, sem provas, de ter colaborado com a polícia política comunista, o que ele nega. Mas, aos poucos, mesmo poloneses que não votaram em Walesa já se sentem à vontade para reconhecer o papel histórico do eletricista que desafiou um regime. 

SAIBA QUEM É LECH WALESSA

Lech Walesa, filho de um carpinteiro, foi mecânico de carros de 1961 a 1965. Serviu no exército durante dois anos e, em 1967, foi empregado como eletricista. Dois anos depois, casou-se com Danuta Golos e teve oito filhos.

Durante os anos 1970, os trabalhadores e o governo ditatorial polonês entraram em confronto direto. Walesa organizava reuniões defendendo o livre comércio, os direitos dos trabalhadores e a democracia. Constantemente era detido para prestar esclarecimentos.

Em 1980, a situação política e econômica da Polônia era tensa. Lech Walesa era eletricista do estaleiro Lênin, em Gdansk e presidente do Solidariedade, um comitê organizado para coordenar o movimento sindical. Em agosto de 1981, os sindicatos foram legalizados pelo general Jaruzelski, que governava o país.

Mas a crise econômica piorou, causando aumento de preços e escassez de gêneros alimentícios. O Solidariedade conseguiu o apoio de todo o povo polonês, insatisfeito com a situação do país. Nos anos 1980 e 81, Walesa viajou para a Itália, Japão, Suécia, França e Suíça buscando apoio para sua causa.

Em 13 de dezembro de 1981, entre os protestos maciços contra a censura e a falta de informação do governo, o general Jaruzelski declarou estado de sítio e a Polônia ficou à beira da guerra. Centenas de pessoas foram consideradas suspeitas e os líderes do Solidariedade e dos sindicatos foram presos. Walesa foi posto em prisão domiciliar por onze meses. O governo declarou que o Solidariedade seria oficialmente fechado. Mas, o povo polonês continuou a luta contra o regime.

Em 15 de junho de 1983, o papa João Paulo II visitou sua terra natal e Walesa foi assistir a cerimônia, apesar das objeções. Para os poloneses, o papa passou a simbolizar a resistência, e a igreja polonesa católica, o apoio à luta pela liberdade. Em 22 de julho, o estado de sítio foi suspenso. Em 6 de dezembro de 1983, para a surpresa de muitos, Walesa recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Arriscando-se a não poder voltar à Polônia, a mulher de Walesa, Danuta, e o filho viajam para Oslo para receber o prêmio em seu lugar.

Em 6 de fevereiro de 1989, as negociações pelo poder continuavam, mas o governo comunista perdeu o apoio nas eleições e o Solidariedade cresceu. O comunismo estava em declínio em todo o Leste europeu. Em 6 de dezembro de 1990, em uma virada do destino, Walesa passou de presidente do Solidariedade a presidente da Polônia. Seu governo, porém, não foi marcado pelo brilho que o destacou quando esteve na oposição. Nas eleições seguintes, em 1995, foi derrotado.

Do Valor Econômico e Redação