Previdência|Bendita Previdência

Aposentadorias e demais benefícios da Previdência brasileira são o maior programa de proteção social da América Latina. Crucial para milhões de famílias, o tema não é para o bico de alguns economistas, colunistas e políticos. Pertence a toda a sociedade

Por Nicolau Soares
e Paulo Donizetti de Souza

 

Trabalho pesado
José Chiese, 82 anos: “Aos 14, tive de largar a escola para ajudar meu avô”

 
“Meu nonno, aos 80 e poucos anos, estava carpindo, se
sentiu mal e parou. Ficou de cama três dias e morreu. Meu pai também
morreu carpindo, com a enxada na mão”, lembra, misturando tristeza e
orgulho, José Chiese, morador do município de Embu-Guaçu, na grande São
Paulo. Chiese é agricultor, acostumado a trabalhar pesado. “Meu pai
ficou doente e passou um ano de cama. Aos 14 anos, tive de largar a
escola para ajudar meu avô”, conta. Hoje, aos 82 anos, há três com um
marca-passo no coração, José Chiese não tem mais o mesmo pique, mas sua
vida é um pouco menos difícil que a do pai e do nonno. Há 14 anos é
aposentado pelo INSS. “Se não fosse isso, muitos velhinhos iam passar
fome”, diz. Ele e a mulher, Lúcia Brunelli, de 78 anos, ainda cuidam de
galinhas, vacas, plantam frutas. Mas o rendimento não é mais o mesmo.
“A gente ainda trabalha o dia todo, desde cedinho”, conta dona Lúcia,
também aposentada rural. “Senão, não ia dar.”

Seu
José e dona Lúcia fazem parte das 28 milhões de pessoas no Brasil que
têm na aposentadoria sua principal fonte de renda. Segundo dados do
IBGE, em 2003, a Previdência beneficiava 76,3 milhões de pessoas, entre
aposentados, pensionistas e seus familiares, atingindo 43% da população
brasileira. É, portanto, o maior programa social do país.

Apesar
disso, a Previdência só aparece na mídia como “vilã do
desenvolvimento”, já que vem quase sempre junto da expressão “déficit”.
Assim, os especialistas de plantão costumam dizer que o Brasil “gasta”
muito, por isso não consegue investir em infra-estrutura ou diminuir
impostos. Essa é uma visão meramente contábil de um problema muito
maior que um livro-caixa.

O
conceito de seguridade social hoje vigente no Brasil vigora desde a
Constituição de 1988. Desde então, trabalhadores rurais passaram a ter
direito a aposentadoria e benefícios como auxílios doença e
acidentário. Além disso, o piso básico de todos os benefícios passou a
ser fixado pelo salário mínimo, incluindo de uma só vez milhões de
trabalhadores.

“Foi o mais
importante esforço de modernização da história da Previdência Social
brasileira”, avalia Denise Gentil, professora de economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Há o princípio de que o Estado
deve proporcionar os serviços de saúde, assistência e previdência
social a todos os indivíduos, indistintamente. Um novo pacto social se
estabeleceu, com mudanças nas relações entre Estado e sociedade.”
Segundo a pesquisa A Previdência Social e Os Municípios, realizada pelo
auditor Álvaro Sólon de França, em 64% das cidades brasileiras a soma
dos benefícios previdenciários de seus habitantes é maior que o Fundo
de Participação dos Municípios – ou seja, de cada dez cidades, em mais
de seis e economia local depende mais do dinheiro dos velhinhos que dos
tributos repassados pela União. “Os aposentados sustentam a economia
local e servem de âncora familiar porque são os únicos que têm renda
garantida. As casas com beneficiários da Previdência têm melhor
qualidade de vida, não só o aposentado”, diz o estudo.

E
não é só nos pequenos municípios que o fenômeno acontece. Em Mauá, ABC
paulista, o metalúrgico aposentado Gildásio Rodrigues de Oliveira, de
74 anos, com “um pouquinho mais de mil reais” que recebe do INSS
sustenta a esposa Ana, os filhos Ailson e Ailton e o neto André, filho
de Aílton. “A aposentadoria é o que é