Previdência|De dependente a titular

Em muitos lares são os mais velhos que sustentam filhos, netos e até bisnetos. Não são raros aqueles que, mesmo aposentados ou pensionistas, fazem malabarismo para complementar a renda

Por Cida de Oliveira
 

Olhai por nós
Dona Nina, 68 anos, reforça a pensão de 350 reais fazendo bijuterias. Ela sustenta o filho, de 50 anos

 
;Sempre vaidosa, animada e contando piadas. Assim é
dona Nina, ou melhor, Maria José Inocêncio Vargas. Aos 68 anos, viúva,
é assídua freqüentadora do salão de jogos da associação dos bancários
aposentados, no Centro de São Paulo. “Já fiz mais de 500 amigos por
aqui”, conta, orgulhosa. Quem a vê com tanta disposição, e se recusando
a reclamar da vida, nem desconfia os obstáculos que já venceu. Dona
Nina mora bem longe do Centro, em Cidade Tiradentes, e às vezes passa
mais tempo dentro das conduções do que com os amigos da tranca. E antes
de partir para o seu passatempo, já cuidou da limpeza da casa, do
almoço e do filho de 50 anos, que mora com ela.

Por
causa de problemas psiquiátricos, ele chega a tomar 15 comprimidos por
dia. Quando não encontra medicamento de que precisa no posto de saúde,
tem de comprar na farmácia. Para desespero da mãe e dos médicos que o
acompanham, chega a fumar dois maços de cigarro por dia. Até os 18 anos
de idade, trabalhou. Mas com a complicação da doença não conseguiu
mais. Nem trabalho, nem aposentadoria. Os dois vivem hoje com a pensão
de 350 reais de dona Nina. “Já tentei de tudo para corrigir o valor mas
não consegui. Fazer o quê? Não vou perder o astral”, resigna-se.

Até
pouco tempo atrás, um outro filho a ajudava nas despesas. Porém, o
agravamento do diabetes aumentou seus gastos com remédios e a ajuda foi
suspensa. Questionada sobre como consegue viver, dona Nina ri: “Faço
milagres que nem Santo Antonio acredita”. Somente as contas de
telefone, água e condomínio mais a prestação do apartamento devoram
metade da pensão. Para comer, vende e conserta bijuterias. “A gente é
como macaco gordo. Vai sempre quebrando um galho.” Ela jamais se casou
de novo. “Vivo bem assim. Meu filho é maravilhoso, excelente
companhia”, diz.

Dona Nina
personifica o que os especialistas em estudos populacionais estão
chamando de empoderamento do idoso – e da idosa – no contexto familiar.
Atualmente, de cada 100 idosos, 65 foram considerados chefes de
domicílio. Dados do IPEA e da Escola Nacional de Ciências Estatísticas,
da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostram
que a ampliação dos benefícios rurais concedidos especialmente de 2004
para cá tem papel importante na melhoria da renda dessa faixa etária.
No Nordeste e em outras regiões menos desenvolvidas, o benefício
representa 70,8% do orçamento familiar. No sul, a participação é de
41,5%.

Melhor estrutura

O
fenômeno social que está transferindo o brasileiro mais velho da
posição de dependente para o posto de provedor reflete também um
contexto desfavorável: a deterioração econômica de outros grupos
etários por causa do desemprego – em especial entre os mais jovens -, a
queda da renda média e as oscilações da economia nas últimas décadas.
Junte-se a isso o aumento das taxas de gravidez na adolescência, o
maior número de divórcios e separações em todas as faixas etárias, e o
maior tempo que os filhos adultos passam como dependentes de seus pais.
Isso acontece principalmente na classe média, durante o período de
graduação, pós-graduação ou durante um período de desemprego.

E
há ainda os que voltam a manter os filhos que se separam depois de
casamentos duradouros. É o caso do aposentado Hélios Antonio Francisco
Colameo, de 76 anos. Morador de Santo André, em meados no ano passado
voltou a sustentar uma das filhas. Hoje com 50 anos, ela se separou
depois de 20 anos de casada e voltou para a casa do pai, levando
consigo a filha de 24