Primeiro chip brasileiro sai em 2012
Contratado em agosto de 2010 para presidir o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), o físico Cylon Gonçalves da Silva começa a destravar a implantação do embrião da indústria nacional de semicondutores. Conhecedor dos meandros da administração pública, o executivo impôs uma nova dinâmica ao trabalho da estatal e adotou uma visão estratégica mais aberta à interação com o mercado. Agora, ele prepara para 2012 a entrada do primeiro chip brasileiro em linha de produção, algo que pelos planos originais deveria ter ocorrido em agosto de 2007.
O projeto do Ceitec completa dez anos desde a doação dos primeiros equipamentos pela Motorola. Nesse período recebeu investimentos de R$ 500 milhões, a maior parte do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A instituição havia sido constituída como associação civil sem fins lucrativos e em 2008 foi transformada em estatal vinculada ao MCT para receber um fluxo estável de recursos, mas ainda assim continuou sofrendo com sucessivos atrasos no cronograma.
“Encerramos a novela da construção da fábrica”, diz Cylon. Pelo calendário original, as instalações deveriam estar concluídas em abril de 2007 e com os atrasos o início da produção foi adiado duas vezes em 2008, uma em 2009 e agora passou para 2012.
As obras terminaram dia 29 de fevereiro e até 15 de junho será concluído o processo de “aceitação”: a verificação da conformidade entre o prédio e o projeto. Até 31 de maio será encerrada a reforma dos equipamentos doados pela Motorola e até 30 de setembro, o comissionamento das ferramentas para o início da transferência de tecnologia de fabricação pela alemã XFab, em 1º de outubro. Essa etapa será concluída em 18 meses e a produção começará neste ano, em caráter experimental.
A precisão do calendário não é gratuita. Desde que assumiu o cargo, Cylon passou a estabelecer “datas fatais” para cada etapa de trabalho, para melhorar o planejamento das compras que precisam de licitação pública. Para os casos mais simples, adotou o pregão eletrônico, que reduz de 90 para nove dias, em média, o processo de aquisição, além de garantir uma economia de cerca de 20% em relação aos preços de mercado.
“A burocracia atrapalha, mas existem formas de atenuar os problemas com gestão, planejamento e antecipação das necessidades”, afirma o físico, que passou a se valer do mecanismo de “adesão” a outras concorrências quando aparece uma demanda de última hora. O dispositivo legal permite que o Ceitec compre, pelo mesmo preço, produtos ou serviços licitados por órgãos federais em qualquer parte do país.
Cylon foi contratado não só por sua experiência científica, mas também por ter passado pelo setor público, onde acumulou conhecimento. Ele sucedeu o alemão Eduard Weichselbaumer, que havia assumido em 2009 e deixou o cargo em função dos entraves burocráticos que encontrou.
Cylon adotou a estratégia de desenvolver, fazer protótipos e fabricar chips apenas para clientes corporativos, e não mais produtos acabados com circuitos integrados, como estava previsto no projeto do chip para um brinco de rastreabilidade bovina: “Vamos reduzir o risco comercial e tecnológico da empresa. Se fôssemos fazer produtos completos, teríamos que abrir canais de distribuição e perderíamos o foco.”
A tecnologia da XFab permite a fabricação de circuitos com 600 nanômetros de dimensão. É o caso do “chip do boi”, que opera em baixa frequência de 134,2 quilohertz e será o primeiro a entrar em linha de produção em versão aprimorada, que permite a regravação de dados. “É uma tecnologia usada em todo o mundo, mas há certas demandas para as quais seguiremos contratando fabricantes no exterior”, diz.
Segundo o executivo, o plano é que o Ceitec se especialize no segmento de identificação por radiofrequência (RFID na sigla em inglês), mas pode trabalhar com outras aplicações, como o chip que desenvolve para comunicação em banda larga sem fio WiMax. Ontem, o centro anunciou a conclusão do projeto de mais dois circuitos, um para identificação eletrônica de produtos e outro para o programa de identificação veicular do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Esses chips usam a tecnologia de 180 nanômetros, operam em ultra-alta frequência (UHF) de 915 megahertz (MHz) e foram enviados ao exterior para que seja feito o protótipo. Até o fim maio, será concluído o desenvolvimento de um circuito para rastreamento de produtos perecíveis, com tecnologia de 350 nanômetros e operação em alta frequência (13,56 MHz).
A partir de agora, segundo Cylon, até o trabalho de pesquisa, desenvolvimento e projeto poderá, em alguns casos, ser feito em parceria com universidades, instituições de pesquisas e empresas. O executivo conta com uma equipe de 129 pessoas e deverá contratar mais 112 até o fim de 2012.
Do Valor Econômico