Prioridade à educação no MST reforça luta por reforma agrária, dizem pesquisadores
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) acerta na estratégia de colocar a educação como centro de suas prioridades. Pesquisadores reunidos em São Paulo concordaram que a atividade educativa é fundamental para fortalecer o empenho na reforma agrária e melhorar a comunicação com outros segmentos da sociedade.
“Na cidade de São Paulo, por exemplo, a educação não é prioridade. No estado de São Paulo, a educação está longe de ser uma prioridade. Então, chama atenção que um movimento como o MST coloque no centro de sua organização a questão educacional”, analisa Carlos Bauer, professor da Universidade Nove de Julho (Uninove).
Bauer acaba de lançar o livro “Educação, terra e liberdade” (Edições Pulsar, 151 páginas), fruto de seu trabalho de pós-doutorado na Unicamp. Ele parte da análise dos processos educacionais no MST para identificar quais são os processos pedagógicos, os livros adotados em sala de aula e como são organizadas as escolas nos assentamentos.
O professor e outros pesquisadores que se encontraram em um debate ocorrido segunda-feira (11) no centro da capital paulista lamentaram que se tenha uma visão de que os processos educacionais do MST tenham um caráter doutrinário, “bitolador”, voltado à formação de crianças e adultos incapazes de refletir sobre as ações conduzidas pelo movimento. Além da atuação em sala de aula, o movimento tem preocupação em promover, dentro e entre os assentamentos, debates sobre temas relativos ao cotidiano dos trabalhadores.
Um dos pontos fundamenais para a educação entre os sem-terra é a Escola Nacional Florestal Fernandes (ENFF). Fundada em 1995, a instituição tem como sede Guararema, na Grande São Paulo, e visa à formação de quadros docentes. João Elias Nery, da Associação dos Amigos da ENFF, lembra que a escola não dissocia trabalho e aprendizado: são os próprios agricultores que ergueram o prédio onde são realizadas as aulas e todos são responsáveis pela gestão do espaço.
Nery considera que o movimento tem debates fundamentais não apenas sobre reforma agrária, mas sobre política partidária e a formação de meios de comunicação mais progressistas, um ponto visto como fundamental para assegurar que o movimento deixe de sofrer preconceito mesmo por parte de outros trabalhadores.
“Estamos cercados por uma questão ideológica fundamental que é a de que nenhuma contestação será aceita. Então, nunca haverá ocupação de terra, mas a invasão”, avalia, e acrescenta: “Para um país atrasado como o Brasil, isso é intolerável. As classes dominantes não aceitam qualquer coisa que coloque em dúvida o status quo.”
Os debatedores lembraram algumas vezes o exemplo da novela “Rei do gado”, veiculada pela Rede Globo meses após o massacre de Eldorado dos Carajás (em abril de 1996), que há 15 anos deixou 19 mortos e 70 feridos. Na produção televisiva, o dono de uma grande propriedade se apaixonava por uma sem-terra, numa relação que acabava em casamento. “A história serve para dizer que é possível a harmonia de classe”, lamenta Nestor José Guerra, professor da Universidade Braz Cubas. “Um dos elementos para que um movimento sobreviva é ter a compreensão da opinião pública.”
Ele avalia que a imagem que a sociedade tem sobre o MST foi forjada por uma constante exposição midiática que mostra um movimento violento, desprovido de ideias e desligado da realidade. Para Guerra, os sem-terra travam uma luta contra uma sociedade capitalista que valoriza o direito à propriedade sobre todos os outros, mesmo que não seja dona de nenhuma terra, e contra um inimigo ideológico muito maior. “Somos os sujeitos que a mídia quer que sejamos. Perdemos o poder de criar nossa própria identidade.”
Da Rede Brasil Atual