Produtividade perde fôlego depois de avanço forte entre 2006 e 2010

Depois de deslanchar a partir de 2006 e crescer a um ritmo de quase 2% ao ano até 2010, a produtividade total dos fatores (PTF) perdeu fôlego nos últimos trimestres. Em 2011, fechou quase estável, em queda de 0,07%, segundo estimativas de Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da Tendências Consultoria. Para ele, o mau desempenho da indústria – setor com a maior produtividade do trabalho – e o abandono da agenda de reformas explicam o resultado.

A PTF mede a eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção, diz Pessôa. Desse modo, o desempenho fraco é um mau sinal para as perspectivas de expansão da economia. A aceleração do crescimento ao longo do governo Lula foi quase que 90% explicada por elevação da taxa de expansão da PTF. As taxa de crescimento do capital e das horas trabalhadas não avançaram muito.

Para chegar à PTF, Pessôa calculou quanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu em função da acumulação do capital e do trabalho – a parcela que sobra se explica pela evolução da produtividade. Ele estimou a evolução do capital com base nos dados do investimento nas contas nacionais e a do trabalho, nas horas trabalhadas numa série construída para todo o Brasil, cruzando informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do BGE.

Em 2010, a indústria cresceu 0,3%, sofrendo com a concorrência dos importados, num cenário de câmbio valorizado. É o setor de maior produtividade, perdendo espaço para o segmento de serviços, em geral pouco produtivo.

Assessor da presidência do BNDES e professor da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Arbache diz que o fraco dinamismo da indústria manufatureira contribui para o mau desempenho da produtividade total dos fatores. Nos serviços, o nível da produtividade costuma ser bem mais baixo, com exceção de segmentos como o financeiro e o de tecnologia de informação, observa ele.

Pessôa acha ainda que a estagnação da PTF se deve ao fato de o governo ter deixado em segundo plano as reformas para melhorar a eficiência da economia. No governo Lula, houve empenho reformista apenas em parte do primeiro mandato, diz ele, citando a aprovação de medidas com a lei de falências e outras que ajudaram a reduzir os custos no mercado de crédito, como a alienação fiduciária (que permite a retomada do imóvel em caso de inadimplência).

Para Pessôa, a aceleração da PTF na segunda metade dos anos 2000 decorreu em grande medida da maturação de um longo ciclo de reformas institucionais realizadas ao longo dos anos anteriores – desde abertura no governo Collor, passando pelo Plano Real no governo Itamar, até chegar a uma série de medidas no governo FHC, como as privatizações, fim do monopólio do petróleo, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a renegociação das dívidas estaduais. Essa seria uma explicação neoclássica ou liberal para o fenômeno, diz Pessôa. Além disso, no segundo mandato de FHC, a partir de 1999, houve o acerto da política macroeconômica, com a adoção do câmbio flutuante, do regime de metas de inflação e dos superávits primários elevados.

Na administração Lula, que começou em 2003, além da aprovação de algumas reformas no início, houve um ponto fundamental, diz Pessôa: a esquerda assumiu o poder e manteve uma política econômica responsável, respeitando os contratos. O risco país caiu drasticamente com a diminuição da incerteza, levando a uma redução expressiva dos custos, notam tanto Arbache como Pessôa. Para Arbache, de fato o governo Lula capturou os benefícios das reformas ocorridas desde a abertura nos anos 90, mas essa mudança de percepção de risco teve um impacto muito importante para a PTF.

Por fim, a segunda metade dos anos 2000 foi marcada por uma forte elevação dos preços de commodities, produtos com grande peso na pauta de exportações brasileiras. Isso permitiu que o país percorresse uma trajetória de crescimento com especialização da produção, mais fácil do que com diversificação da produção, avalia Pessôa. Por tudo isso, houve um salto da PTF, que chegou a crescer quase 3% em 2007, ajudando a estimular o crescimento. De 2004 a 2010, o PIB teve avanço médio de 4,5%. De 1980 até o começo dos anos 2000, não chegou a 2,5%.

Pessôa diz que uma explicação keynesiana tenderia a atribuir o aumento da PTF à melhor gestão macroeconômica nos governos petistas. Políticas de estímulo à demanda introduzidas pela nova administração explicariam a aceleração do crescimento, diz ele, que prefere, contudo, a avaliação liberal.

Para Pessôa, a produtividade não avançou com força no governo FHC primeiro por haver uma defasagem entre reformas e seu impacto na economia. Outro ponto é que, no primeiro mandato de 1995 a 1998, a política macroeconômica tinha problemas importantes, como o câmbio valorizado e a fragilidade fiscal. Quando ela foi arrumada no segundo mandato, o governo enfrentou o apagão, num cenário coalhado por crises externas. O erro do apagão obrigou o governo a desacelerar bruscamente o crescimento.

Pessôa acredita que a PTF pode voltar a subir em 2012, algo como 0,5%, por ver um crescimento maior na indústria. Mas ele vê dificuldades para ganhos de produtividade mais expressivos, dado o fim do ciclo de reformas, a crise internacional e alguns exageros do governo cometidos em resposta à crise, como os empréstimos exagerados do Tesouro ao BNDES.

Procurados para comentar o assunto, os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não se pronunciaram até o fechamento desta edição.

Do Valor Econômico