Projeto do Sindicato moderniza relações trabalhistas
Projeto do ACE foi apresentado na Volks. Foto: Raquel Camargo / SMABC
A Volkswagen e as trabalhadoras da fábrica Anchieta da montadora viviam, há anos, um impasse: como atender a legislação trabalhista que estabelece intervalo de uma hora de amamentação, para as que voltam da licença-maternidade, já que elas perderiam muito mais tempo para sair do complexo industrial da empresa em São Bernardo, ir até suas casas, e depois retornar. A solução, negociada em 2010 com a direção da companhia pelo comitê sindical (representação eleita pelos funcionários) e aprovada em assembleia, atendeu o interesse de ambos: as mães metalúrgicas puderam ficar oito dias a mais em licença-maternidade, pelo acúmulo de horas da amamentação, em troca de não fazer esse horário no meio da jornada.
A negociação não tem o respaldo da CLT, mas pode ganhar base legal, se for aprovado projeto de lei idealizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que estabelece a criação do ACE (Acordo Coletivo Especial). Essa proposta, atualmente em análise na Casa Civil para ser apresentada nos próximos dias ao Congresso como projeto do governo Dilma, destina-se a atender condições específicas de trabalho, com a possibilidade de adequação da legislação trabalhista, desde que não se desrespeite o artigo 7 da Constituição (que contém desde férias, FGTS, 13º salário, seguro-desemprego, repouso semanal remunerado etc).
Para especialistas, a proposta amplia as possibilidades de negociação entre capital e trabalho, ao inserir nova ferramenta na arcaica legislação. Mas para que patrões e empregados fechem um ACE, são necessários requisitos mínimos: por exemplo, que o sindicato tenha comitê sindical eleito na empresa e também mínimo de 50% de sindicalizados mais um naquela companhia e ainda que haja votação secreta com aprovação por 60% ou mais, com participação de 50% dos funcionários envolvidos; e que a empresa, por sua vez, não tenha pendências na Justiça por práticas antissindicais e reconheça o comitê sindical.
Trata-se de avanço que colocará o Brasil mais próximo do que se pratica no resto do mundo, afirma o professor Helio Zylberstajn, da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP. “Lá fora (na maioria dos outros países), a convenção coletiva começa dentro da empresa; já no Brasil é o contrário, quase nada se resolve dentro da empresa”, cita.
O projeto, que Zylbestajn considera iniciativa inovadora, é resultado de três anos de debate com o movimento sindical, com o setor empresarial e com o governo, assinala o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre.
E a proposta, que tem como ponto de partida a existência da organização dos trabalhadores no local de trabalho (com os comitês sindicais), além de ajustar a legislação às novas demandas do trabalhador, pode desafogar a Justiça, entre outras vantagens, cita o dirigente. Atualmente, há por volta de 2 milhões de processos trabalhista anualmente. “E o tempo médio da ação são seis anos, e quando o trabalhador ganha a causa, de 20% a 30% vai para o advogado”, afirma Nobre.
Comitê
Um dos pontos de partida para que haja um acordo coletivo especial, dentro da proposta de lei criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a organização dos trabalhadores no local de trabalho está fazendo 30 anos na unidade Anchieta da Volkswagen.
A montadora não está sozinha. Os comitês sindicais são realidade em boa parte da categoria na região. Na base dessa entidade (São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), 89 empresas contam com essa representação. O número inclui cinco montadoras e é quase 90% do total de empregos do segmento nessas cidades. E os executivos das empresas onde o comitê existe têm motivos para elogiar o modelo. “A melhor solução é a solução conjunta. O diálogo constante minimiza os problemas”, afirma o diretor de Recursos Humanos da Volkswagen, Nilton Júnior. “Reconhecemos a entidade como legítima e oferecemos estrutura organizacional e física (incluindo sala para os diretores sindicais)”, acrescenta.
Na montadora, são 28 diretores, eleitos a cada três anos pelos 14.800 funcionários e que se dedicam a conversas com a empresa, para negociar reivindicações dos funcionários (desde discussões sobre banco de horas, ergonomia, participação nos lucros etc). “A gente tira resoluções e leva para os trabalhadores, em assembleia no pátio, para validar os acordos”, explica o coordenador do CSE na fábrica, José Roberto Nogueira da Silva, o Bigodinho.
Do Diário do Grande ABC (Leone Farias)