Quase metade dos egressos do sistema prisional enfrentam dificuldades no acesso ao trabalho
Pesquisa mostra que todos os entrevistados desconhecem a existência de políticas públicas voltadas ao emprego para quem sai das prisões
Foto: Divulgação
Uma pesquisa lançada, na última semana, pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, aponta que 45% dos egressos e egressas do sistema prisional enfrentam dificuldades no acesso ao trabalho. O estudo foi realizado para investigar o acesso a órgãos e políticas públicas por pessoas afetadas pelo sistema de justiça criminal.
Foram cerca de 30 anos dentro do sistema prisional, até que, em 2009, Kric Cruz, MC do grupo de rap Comunidade Carcerária, saiu da prisão. Porém, as dificuldades estavam longe de terminar. O próximo obstáculo que Kric precisava ultrapassar, dali em diante, era a regularização da documentação pessoal, situação que enfrentou sem nenhum amparo por parte do poder público.
“A pessoa que cumpre a pena sai à rua sem documento. É uma falta de critério grande da assistência social. A gente volta às ruas sem documento, sem preparação, sem ressocialização. É como se a gente fosse continuar o crime”, relatou Cruz à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual.
A situação vivida por Kric não é um caso isolado. Uma pesquisa recente lançada pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas mostra que o acesso dificultado para a regularização da documentação é um dos principais obstáculos enfrentados pelos sobreviventes do cárcere na cidade de São Paulo.0
Política para trabalho
Chama a atenção que todos os entrevistados disseram que desconheciam a existência de políticas públicas voltadas ao acesso ao trabalho ao sair do sistema prisional e 45% afirmaram a dificuldade para voltarem ao mercado em razão do estigma social. Para Kric, é dever do município garantir o emprego aos sobreviventes do cárcere.
“O município tem o dever de pegar essas pessoas e dar vagas de emprego, como lixeiro, varredor de rua. São empregos que podem abrir as portas para que possam voltar ao mercado de trabalho. É uma obrigação do Estado”, defende o MC.
Outra situação muito comum entre os egressos revelada pela pesquisa é o medo das forças policiais. Esse é um receio presente no cotidiano das pessoas em situação de rua que vivem em territórios como o da Cracolândia, por exemplo.
A atuação ostensiva das polícias na região acaba levando os usuários de drogas ao sistema prisional, já que mesmo aqueles que carregam quantidades voltadas ao consumo próprio são vistos como ameaça. É o que explica Matuzza Sankofa, redutora de danos e sobrevivente do cárcere que auxiliou na construção da pesquisa.
“A polícia está nesses locais em contato com as pessoas mais vulnerabilizadas do país, e elas têm cor e classe social. Isso é estratégico e é reflexo do sistema prisional, que tem em sua maioria negros, periféricos e, principalmente, presos com quantidades pequenas de drogas”, alertou ela.
Justiça e trabalho
O estudo aponta ainda outros obstáculos no acesso a órgãos e políticas públicas por pessoas afetadas pelo sistema criminal, como as barreiras para chegar à justiça, tanto pelas dificuldades de acessar informações sobre processos judiciais quanto para compreender a linguagem contida neles.
Ana Míria Carinhanha, coordenadora de pesquisa da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, menciona algumas mudanças que podem ser feitas a níveis municipal e estadual para facilitar o acesso de sobreviventes do cárcere aos serviços públicos.
“Acho importante a gente pensar na possibilidade de um serviço específico e gerar um estigma em torno de um todo, com maior segregação dessa população. Ao mesmo tempo, criando um serviço específico, cria-se uma atenção pulverizada. A alternativa seria elaborar uma política pública para mobilizar a rede de serviços. Outro ponto é a necessidade de identificação da relação com a justiça criminal nos empregos, que pode acabar com o não acesso da população a esses serviços”, explicou Ana.
A pesquisa lançada pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas foi realizada em parceria com a Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), com o gabinete do vereador Eduardo Suplicy (PT) e com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.