“Que a gente encontre no passado, o eco da luta das mulheres para resgatar a força e batalhar no presente”

A diretora do curta “Chão de Fábrica”, que será exibido hoje no Sindicato, conversou com a Tribuna sobre a obra que conta a história de quatro trabalhadoras metalúrgicas, no final da década de 1970

Hoje, Dia Internacional da Mulher, o Sindicato exibe, às 18h, no 3º andar, o curta metragem “Chão de Fábrica”, que conta a história de quatro trabalhadoras metalúrgicas, em São Bernardo, no final da década de 1970. Elas se encontram no banheiro da fábrica, durante o intervalo de almoço, e ali debatem sobre a vida, política, greves e condições de trabalho. As cenas foram filmadas onde funcionava a Karmann-Ghia. A sessão contará com a participação da diretora e das atrizes para uma conversa com o público ao final da exibição.

A diretora Nina Kopko conversou com a Tribuna sobre o processo de produção, a urgência de expor o tema e os possíveis desdobramentos da obra.

Foto: Divulgação

Tribuna Metalúrgica – Para começar, gostaria que você comentasse o processo de produção. Foi um filme feito como poucos recursos, certo?

Nina Kopko – Foi um filme feito com pouquíssimos recursos, a produtora e eu colocamos dinheiro nosso. Normalmente curtas são feitos através de edital, mas pelo tema da obra, além do momento político em que vivemos, optamos por não tentar editais acreditando que alguma forma de censura poderia ocorrer. Como eu tinha muita urgência em realizar esse filme, não quisemos esperar e ficar tentando um dinheiro que poderia nunca vir. Foi feito na raça e na guerrilha, graças a parcerias como a do Sindicato e de toda a equipe que trabalhou de graça, querendo muito contar essa história.

TM – Como foi filmar na Karmann-Ghia?

Nina Kopko – Foi incrível. O fato de poder filmar numa metalúrgica desativada foi muito importante para dar toda a densidade das histórias. Agora vemos o que restou dessa fábrica, vemos principalmente o quanto esse capitalismo perverso é exploratório, o que resta é só uma ruína. Foi muito forte para mim quando eu entrei pela primeira vez nesse banheiro, foi muito emocionalmente imaginar tantas vidas que passaram ali, tantas risadas, lágrimas que foram compartilhadas ali, tanto suor que esse banheiro viu. Filmar na Karmann-Ghia foi um presente no sentido de poder contar essa história, mas também teve um peso de sentir a dor e a força daquele lugar.

TM – Por que filmar esse curta?

Nina Kopko – Eu decidi fazer esse curta porque essa história não havia sido contada, durante a faculdade de cinema vi muitos filmes sobre as greves do ABC, e víamos a maioria de homens, são pouquíssimas as mulheres. Por conta do patriarcado, muitas não podiam estar ali, porque, diferente dos homens, elas ainda tinham a casa, os filhos, marido para cuidar. E a jornada da luta sindical é muito pesada, praticamente impossível. Mas elas não eram alienadas, sabiam dos seus direitos. Essa história precisava ser contada, porque a luta da mulher trabalhadora é muito importante, é muito urgente e está cada vez mais ameaçada. Por tudo isso é fundamental contar essa história que foi invisibilizada, silenciada e esquecida.

TM – Quais são os principais temas abordados durante a conversa dessas mulheres no banheiro?

Nina Kopko – As mulheres desse filme falam sobre maternidade, trabalho na fábrica, ausência de direitos trabalhistas, machismo, sobre seus dias, desejos, sonhos e dores.

TM – Quem são essas personagens?

Nina Kopko – São quatros trabalhadoras metalúrgicas que têm diferentes histórias de vida. Uma está no primeiro dia de trabalho, há as que são mais politizadas, que participam de atividades de greve, e tem a que é mais alienada, que ainda está despertando para uma consciência política com relação à opressão que elas vivem.

Foto: Divulgação

TM – O que de mais relevante vocês descobriram durante as pesquisas?

Nina Kopko – Talvez o mais impactante foi descobrir que realmente muitas mulheres eram obrigadas a almoçar no vestiário feminino, enquanto os homens almoçavam no refeitório ou no pátio. Já nas fábricas em que elas não eram obrigadas, muitas preferiam almoçar no banheiro por conta do assédio. Tem essa contradição de ser um local de acolhimento.

TM – Você acredita que hoje existe um ambiente propício para que haja consciência política dentro das empresas?

Nina Kopko – Eu acho que não. Na verdade, a vontade de alienar o trabalhador para que não se discuta política dentro das empresas e que esse mundo polarizado não venha interferir nas relações de trabalho, é uma coisa que não se freia, não se freava naquele momento e não se freia agora. A tecnologia avança, o que nos faz avançar também em discussões e comunicação, mas também se sofisticam os meios de controle, de alienação, de opressão por parte dos donos do capital.

TM – Como foi filmar com uma equipe só de mulheres?

Nina Kopko – Maravilho. Para mim era muito importante que esse filme fosse feito por mulheres, tinha um gesto simbólico, mas também muito concreto de poder compartilhar essa intimidade. Um ambiente em que estão só mulheres é muito diferente de qualquer outro. 

TM – O filme tem um contexto político, você acredita que de alguma forma ele pode ajudar na luta das mulheres, como?

Nina Kopko – Minha pretensão é que possamos, a partir do passado, falar sobre o presente e melhorar o futuro. A memória é das ferramentas mais importantes de luta. Vivemos um momento de ameaça gigante aos direitos trabalhistas, acredito que é muito importante olhar para trás, ver a situação em que aquelas mulheres se encontravam e como a luta foi importante para conquistar alguns direitos. Ainda estamos muito distantes do ideal, mas alguns direitos estão sendo tirados e outros estão ameaçados. Que a gente encontre no passado, o eco da luta das mulheres para resgatar a força e batalhar no presente, sempre pensando no coletivo. Esse é um filme sem protagonista, as quatro têm a mesma importância na história.