Rebelião no Chile: Movimento dos estudantes ganha apoio e marca novas manifestações
Santiago está em ebulição. Em todos os cantos da capital chilena, a qualquer hora é possível encontrar pixações, eventos culturais e atividades de apoio às manifestações que se estendem há três meses por todo o país, e não se limitam mais às demandas dos estudantes.
O movimento cresceu tanto, e tem tanto apoio popular (o jornal La Tercera, que há meses tenta esconder e desqualificar as movimentações, publicou matéria no último sábado afirmando que 76% da população chilena apóia os protestos), que é impossível saber com exatidão quais atividades vão ocorrer pela cidade.
A praça Ñuñoa, localizada a mais ou menos meia hora do centro de Santiago, em um bairro de classe média, é palco todas as noites de manifestações e confrontos com os carabineiros. Cerca de 3.000 pessoas se deslocam diariamente ao local para participar de panelaços e, geralmente, são recebidos pela polícia que se utiliza de gás lacrimogênio e jatos fortes de água para tentar interromper as atividades.
Esses carros que descarregam água na multidão foram apelidados pela população de Guanacos, que são animais parecidos com Lhamas que vivem nos Andes, e costumam a cuspir nas pessoas. Catalina Gamboa, estudante secundarista que acompanhava uma das manifestações na praça Ñuñoa, explica que o líquido expelido pelos Guanacos da polícia não é apenas água “Quando isso cai no rosto arde. Fizeram algumas análises e viram que tinham fezes nessa água”.
Nos sites das Federações de estudantes brotam relatos de casos de extrema violência policial aplicada pelos Carabineiros. O portal da Federação de Estudantes da Universidade de Valparaiso postou a história de um estudante de História que foi pego por policiais enquanto observava um confronto e levado para um ônibus, onde foi violentamente golpeado.
As agressões resultaram em uma grave fratura nasal, e o estudante necessitou de uma cirurgia. Quando viu a gravidade do machucado, um dos policiais, conta o site, perguntou: “O que se passou filho, porque está sangrando?” o garoto respondeu que eles o haviam agredido, e ouviu a resposta “Nós não batemos em ninguém, você sozinho bateu em uma porta”.
As manifestações, entretanto, não estão presentes apenas nos bairros mais ricos da cidade. Ocupações em universidades e colégios de ensino médio e fundamental se estendem também pela periferia. Estudantes estimam que cerca de 700 colégios estejam ocupados, 200 deles só na capital.
Já no ensino superior ninguém soube dizer quantas ocupações estão em andamento no Chile. Sabe-se que todas as universidade chamadas tradicionais, que foram criadas até a década de 1960 e eram gratuitas até o regime ditatorial de Augusto Pinochet (1973-1990), estão ocupadas ou paralizadas. Andando pelas ruas de Santiago, entretanto, é possível se deparar com dezenas de universidades públicas ou privadas cujos portões estão bloqueados por cadeiras ou os muros estão cobertos com cartazes com dizeres como “fim ao lucro”.
Isso porque, na educação superior chilena, o lucro foi proibido durante a ditadura, com uma lei que instituía que todas as universidades, públicas ou privadas, seriam pagas, mas não poderiam obter lucro.
Atualmente, todas as universidades chilenas são pagas, e a maioria recebe ajuda financeira do governo. Neste cenário, muitos donos de universidades acharam brechas na lei, e obtém muito lucro com as instituições de ensino. É comum que os integrantes dos diretórios acadêmicos, que estão acima dos reitores, possuam também imobiliárias, e repassem dinheiro a partir de obras superfaturadas.
O fim do lucro se tornou uma das principais reivindicações dos estudantes que começaram a realizar marchas e manifestações desde junho. A esse ponto somaram-se muitos outros, sendo um dos principais a educação gratuita e de qualidade que, para todos os atores do movimento que já é conhecido como “inverno chileno”, deve acompanhar uma reforma integral da educação no país.
Sobre o assunto, a Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, que tem sido muito ativa durante as manifestações, afirmou em um documento onde reúne todas as pautas do movimeno estudantil: “Nos une a firme convicção de que a educação é um componente essencial para alcançar um novo projeto histórico de desenvolvimento democrático que tanto anseia o país para superar as escandalosas brechas de desigualdade que presenciamos hoje. Desta forma, foi exposta a necessidade urgente de recuperar a educação como um direito social e humano universal que deve ser garantido pela Constituição Chilena.”
Outras demandas importantes são a criação de um novo sistema de financiamento, pois o atual faz com que cerca de 40% dos estudantes deixem as universidades endividados e a desmunicipalização da educação, já que Pinochet desmantelou o Ministério da Educacao, passando a responsabilidade administrativa e financeira para as comunas, que, grosso modo, podem ser comparadas a subprefeituras. Esse sistema faz com que a distribuição de verbas seja desigual entre as comunas.
Atualmente, entretanto, não são só os estudantes que pautam suas reivindicações. No dia 8 deste mês, os trabalhadores do Banco de Santiago começaram uma greve por reajustes salariais, e nos últimos meses ocorreram também paralisações de mineiros e taxistas.
Um hospital público de Santiago, Posta Central, interrompe suas atividades toda vez que ocorrem marchas, e são convocadas também panelaços nos quais muitos adultos e idosos batem panelas para manifestar seu apoio aos estudantes.
Até agora, o governo ainda não apresentou nenhuma proposta satisfatória para os manifestantes. A última tentativa, de estabelcer uma mesa de diálogo com o Congresso, foi rechaçada pelos estudantes universitários, mas bem vista pelos secundaristas. Muitos setores que compõem a ala universitária do movimento acreditam que a melhor solução para o impasse colocado é a realização de um plebiscito, e não veem essa mesa de diálogo como capaz de realizar a mudanca estrutural que desejam.
Desta forma, seguem as mobilizações no Chile, e já está fechado um calendário nacional de mobilizações para as próximas semanas. No dia 16 está marcada uma “velaton”, e todos que apóiam o movimento devem colocar velas em suas janelas. Na quinta, dia 18, acontecerá uma jornada de protesto nacional, e estão marcadas marchas e panelaços. Nos dias 24 e 25 haverá uma greve geral, puxada pela CUT (Central Unitária dos Trabalhadores do Chile).
Em Santiago, está marcado um bem humorado protesto na Praça das Armas, no qual todos deverão se reunir para fazer um grande “iiiiiiiii” pela educação, fazendo referência ao prefeito da comuna de Santiago, Pablo Zalaquett, que, devido a um tique, utiliza essas vogais no meio de suas frases.
O governo também se diz preocupado com a possibilidade dos estudantes perderem o ano. Quanto a isso, Patricio Perez, 16 anos, estudante de um colégio ocupado, responde com uma frase que muito está se ouvindo: “Perder o ano, mas ganhar o futuro”.
Da Caros Amigos