Recalls no Brasil já envolveram mais de 1 milhão de veículos neste ano

Montadoras fizeram 38 convocações de janeiro a agosto. Departamento do MP Federal levantou dados

Nos oito primeiros meses do ano, já foram convocados no Brasil 1,052 milhão de carros, motocicletas, caminhões e comerciais leves em recalls, de acordo com o levantamento feito pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério Público Federal, a pedido do G1.

A marca foi atingida após o anúncio de recall de 59.714 Chevrolet Agile, na última sexta-feira (27). Apenas para efeito de comparação, o número de veículos envolvidos em convocações neste ano equivale a um terço das 3,18 milhões de unidades produzidas no país em todo o ano passado.

O volume de convocados até agosto é o maior desde 2008, quando foram chamados de volta às concessionárias 1,26 milhão de veículos, e é 44% superior a 2009, que teve 728.525 unidades em recall. Em número de chamados, este ano contabiliza 38 até agosto, sendo que alguns recalls envolvem mais de um modelo. Em todo o ano passado, foram 43 convocações, pelos dados do DPDC, número considerado recorde.

Tendência mundial
A tendência de crescimento do número de recalls no país segue o ritmo da indústria automobilística mundial. De acordo com dados da Administração Nacional para a Segurança nas Estradas dos Estados Unidos (NHTSA, na sigla em inglês), o número de chamados em todo mundo atingiu 10,2 milhões de unidades no primeiro semestre do ano, cerca de duas vezes o montante recorde registrado no mesmo período em 2009. O ano passado encerrou com 16,4 milhões veículos convocados, sendo que mais da metade foi chamada nos últimos seis meses, quando apenas a Toyota e Ford foram responsáveis, juntas, por 8,8 milhões de unidades.

“Principalmente nos Estados Unidos a preocupação com a segurança dos motoristas e passageiros está tão extrema que a Toyota chegou a convocar alguns veículos porque eles saíram da linha de montagem sem o selo que indica a capacidade máxima de carga. Há um tempo isso era impossível de se imaginar”, afirma o engenheiro e conselheiro da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil) Francisco Satkunas. “Essa pressão chegou também a outros países, inclusive ao Brasil, por isso observamos uma reação cada vez mais rápida das fabricantes no país.”

Montadoras são investigadas
No Brasil, para investigar os casos em que a montadora não assume de imediato a responsabilidade sobre possíveis falhas, o DPDC, que é responsável por enviar um laudo técnico com a ordem de recall, criou o Grupo de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo (Gepac) em 2008.

Ele é formado por órgãos de defesa do consumidor que trabalham em conjunto com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O primeiro resultado da parceria foi a conclusão da investigação sobre o defeito no cubo de roda do eixo traseiro do Fiat Stilo, que levou, em março deste ano, ao recall de 52.474 unidades e à cobrança de multa já que, na visão do órgão, a montadora negou a existência de defeito e não realizou a convocação.

“Antes da criação do Gepac, tínhamos dificuldade em investigar esses casos no país, devido à complexidade dos mesmos”, afirma o coordenador jurídico do DPDC, Amaury Martins. “A conclusão do inquérito do Stilo, iniciado em 2009, foi a primeira grande articulação do convênio entre os órgãos de defesa do consumidor e os departamentos de legislação de trânsito. Contamos com a participação dos proprietários dos veículos, superintendências regionais da Polícia Rodoviária Federal, institutos de criminalística, delegacias de polícia e dos técnicos do Denatran que constataram o defeito de fábrica.”

O Gepac também interferiu no caso da falha de fixação do tapete do Corolla, fabricado no Brasil a partir de 2008, e determinou, em acordo com a Toyota, o recall de 117.428 unidades do sedã, feito em maio passado, após o órgão solicitar ao Denatran a suspensão da comercialização do carro. “Durante a investigação do Gepac a fabricante se antecipou e resolveu convocar os modelos antes do resultado do inquérito”, afirma Martins.

Segundo Satkunas, da SAE Brasil, a concorrência acirrada entre as fabricantes é outro fator que tem contribuído para a pró-reação das montadoras no Brasil. “As empresas não querem perder a satisfação de seus clientes. O recall é de fato um transtorno, mas o público reage melhor quando a atitude é proativa”, diz o engenheiro. “A maior prova de que as fabricantes aprenderam a lição é o caso do Fox (em 2008). A Volkswagen, na época, disse que o sistema de rebatimento do banco traseiro era perfeito e teve que voltar atrás da afirmativa. Agora, com o recall dos motores 1.0, ela estendeu a garantia do propulsor para três anos.”

De quem é a culpa?
As fabricantes de autopeças e montadoras se desentendem na hora de apontar a causa dos recalls. No entanto, a maior parte dos defeitos é causada por falhas no projeto e não durante o processo produtivo. “Cada recall tem uma causa diferente, mas na maioria dos casos é um problema de protótipo”, afirma Paulo Butori, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). “Ou o problema está no projeto que as autopeças fornecem à montadora ou no que a montadora entrega às autopeças”.

De acordo com Satkunas, da SAE Brasil, cerca de 70% dos problemas são com os fornecedores de peças, mesmo com a existência dentro das montadoras de um grupo de engenharia responsável pela qualidade delas. “As falhas podem correr por causa de uma simples troca de fornecedor ou até por um erro de projeto, que é muito mais nebuloso. Fora que a modernidade da indústria também aumenta a complexidade dos veículos e, consequentemente, o risco de defeitos nas unidades. Quanto mais tecnologia, maior é a probabilidade de falhas.”

Uma pesquisa de capacidade realizada pelo Sindipeças, referente ao primeiro trimestre de 2010, apontou que o custo da não-qualidade é um dos principais problemas enfrentados pelas fornecedoras no Brasil, atingindo 7,3% do faturamento total do setor – o equivalente a R$ 5,5 bilhões, montante gasto com o processo de retorno do veículo para a linha de produção.

Lucro após megarecall
Apesar do número de recalls, a imagem das marcas parece não estar sendo seriamente comprometida. A Toyota, por exemplo, mesmo com os gastos extras de US$ 30 bilhões (20% do valor da montadora) para a reparação de milhões de unidades em todo o mundo, registrou no primeiro trimestre fiscal lucro líquido de US$ 2,2 bilhões, o maior em dois anos.

Além dos bons resultados, a fabricante japonesa manteve a liderança mundial em vendas no 1º semestre de 2010, seguida pela Ford e Volkswagen, segundo o balanço da Jato Dynamics. “O que está em jogo é o nome da fabricante, pois a perda de imagem é um prejuízo que não dá para mensurar”, adverte Paulo Roberto Garbossa, da consultoria ADK. “Nem sempre o problema é da montadora, mas como ela responde por colocar o produto no mercado, ela tem que pagar por isso. E é melhor que seja assim, pois o custo, com certeza, é muito inferior (ao custo da imagem).”

Menos de 60% atendem aos chamados
De acordo com a SAE Brasil, menos de 60% dos clientes atendem aos recalls, seja por falta de informação ou por não terem a dimensão da gravidade do problema. No último dia 28 de junho, o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) divulgou que pretendia bloquear para venda veículos que não atendessem a recall. Dias depois, no entanto, anunciou que desistiria da medida por “falta de base legal”.

Mas o órgão pretende ainda criar o Sistema de Monitoramento Online de Recall, onde o futuro comprador de um carro usado poderá verificar, via Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores), se aquele veículo deixou de atender a uma convocação.

“Não existe prazo para a realização do recall”, afirma Renan Bueno Ferraciolli, assistente da diretoria de fiscalização do Procon-SP. “O consumidor pode a qualquer momento exigir que empresa efetue o reparo em seu veículo. Mesmo nos casos em que o conserto foi feito pelo proprietário, em um mecânico particular, a recomendação é que ele procure a fabricante para ter certeza de que a falha foi corrigida”, diz Ferraciolli.

Do Auto Esporte (Milene Rios e Priscila Dal Poggetto)