Redução da jornada de trabalho deve ser analisada no Senado antes da Copa
Até economias famosas pelo baixo custo da mão de obra, como China e Indonésia, adotaram as 40 horas preconizadas pela OIT. No Brasil, assunto está na pauta do Senado desde 2005
Em algum momento, o Congresso brasileiro vai ter de enfrentar com afinco o debate sobre a redução da atual jornada de trabalho de 44 horas semanais. Bandeira da maioria das centrais sindicais de trabalhadores, a medida alinharia o País a uma tendência mundial. Até economias famosas pelo custo barato da mão de obra, como China e Indonésia, adotaram as 40 horas recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) na convenção de 1935.
O assunto está posto na pauta do Senado desde 2005, quando Paulo Paim (PT-RS) sugeriu a criação do Pacto Empresarial do Pleno Emprego (Pepe), apoiado em experiência bem-sucedida de uma empresa no Paraná. A proposta deve avançar neste semestre na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O relatório, de Walter Pinheiro (PT-BA), é favorável ao projeto (PLS 254/ 2005), porém com mudanças. O senador substituiu as 36 horas propostas por Paim pela jornada de 40 horas.
Será um debate complicado, especialmente em uma conjuntura econômica adversa, com inflação, juros e câmbio em alta, investimentos privados em queda e necessidade de ajuste nos gastos públicos, entre outras dificuldades que se acentuam em ano de eleições e Copa do Mundo. Pinheiro disse ao Jornal do Senado que vai manter o texto do parecer e reconhece que irá enfrentar a resistência de boa parte dos senadores.
No entanto, o país não terá como escapar da discussão de políticas que enfrentem o desemprego crescente. Pelas estimativas da OIT, serão mais de 215 milhões de pessoas desempregadas até 2018 no mundo, com um acréscimo de mais de 13 milhões em relação a 2013. O pior é que, como ocorre no Brasil, a taxa de desemprego entre jovens continua subindo, engrossando a informalidade e agravando os problemas sociais.
O relatório Tendências Mundiais de Emprego 2014, da OIT, calcula que cerca de 74,5 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. Isso representa taxa de 13,1%, praticamente o dobro da média do desemprego mundial. As oportunidades são piores no Oriente Médio e norte da África. Essas regiões continuam acusando o desemprego mais elevado do mundo e provocando mais migrações, principalmente para a Europa. Outro dado alarmante é que o tempo que as pessoas permanecem desempregadas aumentou. Com a crise econômica europeia, os desempregados em países como Espanha e Grécia demoram agora o dobro do tempo para arrumar colocação. Cerca de 23 milhões de pessoas abandonaram o mercado no ano passado. Os especialistas mostram que não há uma relação direta entre a redução da jornada e a criação de novos postos.
No Brasil, com os pesados encargos trabalhistas, os empresários preferem recorrer a horas extras que contratar novos empregados, segundo o consultor do Senado Marcello Cassiano da Silva. Esse comportamento indica, na avaliação dele, que é necessário rediscutir os encargos da atividade produtiva, como os trabalhistas e os tributários.
35 horas – Na França, país que adotou há 13 anos a jornada de 35 horas, as cinco confederações sindicais de trabalhadores concordam que o ordenamento jurídico deve estabelecer patamar mínimo e uniforme de proteção social. E admitem, segundo especialistas, ser necessário processos de negociação que permitam adaptar os acordos às condições particulares dos diversos setores empresariais, aceitando inclusive arranjos mais individualizados.
O pacto proposto por Paim não é compulsório. A adesão das empresas é voluntária por um período de cinco anos. O prazo vale também para os contratos com carga horária reduzida. Isso funcionaria como um tempo de experiência para avaliar os resultados sobre a produtividade da empresa, que ao final poderá ou não retornar à antiga jornada.
No substitutivo, Pinheiro propõe compensações às empresas, como reduzir as alíquotas de contribuições ao Sistema S (como Sesi e Sesc), as contribuições para o salário-educação e aquelas para financiar o seguro de acidente do trabalho.
Experiência de empresa do Paraná – A faxineira confidenciou ao patrão que havia contratado uma empregada doméstica, a quem pagava com parte dos R$ 700 em bônus obtido por atingir metas na academia de ginástica custeada pela empresa. É mais fácil imaginar essa história em empresas norte-americanas, europeias ou nórdicas. Mas aconteceu no Paraná.
— A faxineira ganha R$ 1.200 por mês, mas pode obter o bônus se alcançar os resultados do programa, com orientações na área nutricional, palestras e controle de peso. Ela gerou emprego e veio me contar satisfeita — disse o empresário Francisco Simeão, considerado o primeiro a adotar jornada reduzida de 36 horas semanais no setor industrial.
A experiência inspirou o projeto de Paim, que reduz das atuais 44 horas para 36 horas. Quando a BS Colway Pneus encurtou a jornada, em 2000, o que poderia aparentar riscos mostrou-se ótimo investimento. A produtividade aumentou tanto, lembra Simeão, que os fornecedores italianos do maquinário vieram ao Brasil para conferir os números. Os empregos na BS Colway quadruplicaram em cinco anos, chegando a 1.200. Os salários de 8 horas diárias eram pagos para turno de 6 horas. Os funcionários foram estimulados a fazer condicionamento físico, estudar, trazer filhos e esposa para revisão dentária periódica, entre outros itens do pacote de qualidade de vida.
— Tudo isso não é gasto, é investimento — reforça Simeão, que é primeiro-suplente do senador Roberto Requião (PMDB-PR).
A iniciativa despertou tanta atenção que o professor Carlos Ilton Cleto dedicou à BS Colway parte de tese de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina. Cleto registra que é difícil isolar o efeito da jornada reduzida dos outros benefícios. O incremento na produtividade chegou a 37%, suficiente para pagar os custos, dar descontos a clientes e aumentar os lucros.
Embora a BS Colway tenha encerrado as atividades após queda de braço com as grandes indústrias de pneus e com o Ministério do Meio Ambiente, a jornada reduzida e o programa de qualidade de vida acabaram seguidos pela importadora de pneus administrada pelos filhos do empresário. Só que agora não são mais de mil empregos.
— Infelizmente a importadora só emprega 120 funcionários — lamenta Simeão, que aos 66 anos preside a Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip).
Luta dos trabalhadores resultou em menor duração da jornada
Tempos Modernos, o genial filme do britânico Charles Chaplin, lançado em 1936, tornou-se ícone para retratar a exploração do trabalho imposta pela Revolução Industrial. Chaplin, no papel principal, eternizou a figura do operário que não consegue parar de repetir os movimentos mecânicos da atividade na fábrica. É considerado até hoje um libelo contra as jornadas extenuantes e as péssimas condições de trabalho nas indústrias da época.
A história mostra que, no final do século 18, com a duração frequente de 18 horas diárias, eram comuns mutilações e mortes de operários que desmaiavam ou dormiam sobre as máquinas. É difícil imaginar que na Inglaterra medieval o tempo de trabalho fosse menor do que nos primórdios do capitalismo. No entanto, foi o que ocorreu. O primeiro documento que disciplinou a jornada data de 1349, quando a peste negra dizimou quase 25% da população europeia. Os artesãos e os trabalhadores agrícolas ingleses iniciavam o trabalho às 5h e encerravam entre 19h e 20h na época mais quente, de março a setembro. No inverno, terminavam no início da noite. Eram jornadas de 12 a 13 horas.
Mesmo inferior às jornadas impostas pela Revolução Industrial, relatos da época contestam durações tão longas, atestando 10 horas diárias em média para homens adultos, com exceção dos domingos, registra o economista Paulo Sérgio Fracalanza na tese de doutorado na Unicamp Redução do Tempo de Trabalho: uma solução para o problema do desemprego?. Quase quatro séculos depois, os empregados ainda eram obrigados a trabalhar 12 horas diárias. Como não havia fiscalização organizada, esse limite legal não era cumprido.
A pressão dos movimentos de trabalhadores ingleses por melhores condições de vida resultou em cinco leis após 1802. Mas só a Lei Fabril de 1833 vingou. Definiu jornada normal de trabalho entre 5h30 e 20h30, com intervalos.
Trajetória francesa -Uma das experiências mais estudadas pelos acadêmicos brasileiros é a da França, que adotou em 2000 a chamada Lei das 35 Horas. Ela substituiu a exigência legal de 39 horas semanais.
Um texto legal de importância na França data de 1841 e só era aplicado a fábricas com mais de 20 trabalhadores. Voltado a reduzir a concorrência predatória entre indústrias têxteis, não obteve êxito. Os meios para fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas só começaram a ser constituídos a partir de 1874.
É bom lembrar que a referência até o século 19 era a jornada diária. A trajetória nesse período não foi regular, com avanços e retrocessos. Porém, foi muito melhor do que o ocorrido na época da Revolução Francesa, quando os empregadores ganharam plenos poderes para determinar a duração do tempo de trabalho, em 1791, com a Lei Le Chapelier.
Só no início do século 20 os trabalhadores franceses conquistaram a redução para 10 horas diárias, e mesmo assim pequenas empresas e trabalhos em domicílio ultrapassavam as 12 horas. Em 1919, a jornada máxima foi fixada em 8 horas diárias e 48 horas semanais.
Em 1936, com o objetivo de abrir novos postos de trabalho, o governo de coalizão de partidos de esquerda baixou a jornada para 40 horas semanais e instituiu duas semanas de férias pagas por ano. Foi a primeira vez que se reconheceu o direito ao lazer para o trabalhador. Nessa época, os franceses já podiam se aposentar aos 65 anos, benefício instituído em 1910. As férias de quatro semanas foram estabelecidas em 1969.
Mais tarde, os benefícios foram ampliados no governo Miterrand, em 1982, com férias de cinco semanas, aposentadoria aos 60 anos e jornada reduzida para 39 horas semanais. Vários setores interpretaram esses resultados como um fracasso político, registra Fracalanza. A expectativa de redução do desemprego foi frustrada, comprovando, na visão de muitos economistas, que os efeitos da redução da jornada exigem tempo para se manifestarem e não há correlação direta, dependendo da conjuntura econômica e das especificidades do setor.
Porém, os trabalhadores franceses, de modo geral, são solidários. Pesquisa do Institut National de la Statistique et des Études Économiques, de 1995, revelou que muitos deles estão dispostos a reduzir a jornada e os salários se a medida representar manutenção ou ampliação do número de empregos onde trabalham.
Da CUT Nacional