Referendo na Irlanda é teste para políticas de austeridade impostas à Europa
Os irlandeses vão às urnas nesta quinta-feira (31/05) para decidir o futuro da economia do país. Eles vão decidir se aceitam ou não o pacto fiscal europeu, que tem o apoio do primeiro-ministro Enda Kenny, mas foi rotulado como um sombrio “Tratado da Austeridade” pelos sindicatos da Irlanda. O país é o único do bloco com dever constitucional de consultar a população antes de adotar medidas desse porte. Uma vitória do “não” pode mudar o xadrez econômico na Europa, que vive a apreensão pela possível saída da Grécia do euro e o agravamento da crise na Espanha.
A Irlanda carrega no currículo a rejeição do Tratado de Lisboa, em 2008, que pretendia realizar mudanças constitucionais “para facilitar a governabilidade” na União Européia. Naquele ano, os irlandeses foram os únicos, entre 27 países, a vetar a adoção de novas regras em referendo. O “não” da ocasião foi liderado por grupos mais à direita e o projeto só passou em uma segunda rodada de votações, no ano seguinte.
Dessa vez, são grupos mais à esquerda que pretendem bloquear a adoção do aperto fiscal europeu. A população, no entanto, não tem o poder de veto absoluto. Caso o “não” vença, a Irlanda fica de fora do acordo até realizar um novo referendo. A data-limite é 2013. Mesmo assim, uma negativa pode passar um recado de insatisfação à União Européia, que tenta a todo custo salvar o euro e pressiona a Grécia a aceitar o ajuste de contas.
“Se o governo, a troika e os mercados não conseguirem o resultado que querem, eles vão ignorar nosso voto de qualquer maneira”, disse Gregor Kerr, do anarquista Movimento de Solidariedade aos Trabalhadores (WSM, na sigla em inglês). “A mensagem principal que as pessoas precisam lembrar é que, enquanto eles podem ignorar nosso voto, eles não podem ignorar nossa resistência.”
‘Interesse nacional’
O primeiro-ministro Enda Kenny, no entanto, acredita que é do “interesse nacional” da Irlanda que o referendo seja aprovado. Há dois anos, o setor bancário do país, sob risco iminente de quebra, recebeu injeção mais de 100 bilhões de euros do BCE (Banco Central Europeu) e do FMI (Fundo Monetário Internacional). Hoje, o país presta conta para as duas instituições. Anuir às novas regras da União Europeia significa um aperto fiscal ainda maior do que o praticado atualmente.
Os que advogam pelo “sim” sugerem que, caso o pacto seja rejeitado, a Irlanda não terá acesso a uma segunda injeção de euros do Mecanismo de Estabilidade Europeia. Um novo montante, asseguram, seria capaz de dar estabilidade à economia interna do país e gerar uma retomada na criação de empregos a longo prazo.
O deputado Paul Murphy, da Aliança da Esquerda Unida no Parlamento Europeu, acredita que o governo está “chantageando” a população ao condicionar o voto à nova injeção de capital. Segundo ele, existem outros mecanismos para obter financiamento que não passam pelo fundo de estabilidade europeu. “As políticas de governo estão levando o país para um ‘segundo resgate’. Para evitá-lo, em vez de institucionalizarmos a austeridade, precisamos mudar de caminho agora”, afirmou.
Murphy trata um “não” como uma “resposta aos ataques à classe trabalhadora por toda a Europa”. De acordo com ele, desde que a Irlanda votou “sim” no referendo de 2009, houve uma perda de 80.000 postos de trabalho. Outro “sim” amanhã, segundo o deputado, causaria a necessidade de cortes de até 8 bilhões de euros no orçamento do país pelos próximos anos, como adaptação às regras do mecanismo europeu.
Do Opera Mundi