Reforma Trabalhista: “A guerra ainda não está perdida”
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O Ministério Público do Trabalho, o MPT, classificou a reforma Trabalhista sancionada pelo governo Temer como inconstitucional, um retrocesso na proteção dos trabalhadores brasileiros, com insegurança jurídica e impacto negativo na geração de empregos.
Desde a tramitação da proposta no Congresso, o MPT divulgou notas técnicas para alertar que as mudanças contrariam a Constituição Federal. Com a aprovação pelos plenários da Câmara e do Senado, o Ministério Público pediu o veto presidencial.
Em entrevista à Tribuna, o procurador do Trabalho e chefe de gabinete do procurador-geral do Trabalho, Rafael Dias Marques, explicou pontos da reforma.
Tribuna – O que representa a reforma Trabalhista?
Rafael Dias Marques – A reforma Trabalhista significa um gigantesco retrocesso social no padrão de proteção do trabalho no Brasil. Cria formas precárias, temporárias e desprotegidas de contratação, estimula a negociação coletiva sem salvaguardas do mínimo legal e enfraquece a atividade dos sindicatos.
Além de diminuir a proteção do trabalho no Brasil, ela enfraquece o acesso à própria justiça, ao torná-la mais cara e com o acesso mais dificultoso ao trabalhador, que se vê obrigado a pagar custas e honorários. Portanto, ofende a cláusula constitucional no acesso à justiça.
A reforma subverte todos os valores do trabalho digno e decente previstos na Constituição Federal ao criar possibilidades de jornada intermitente, terceirização e tarifação de dano patrimonial.
Tribuna – Isso significa que quem ganha menos vale menos de acordo com a reforma?
Rafael Dias Marques – Exatamente. É inconstitucional qualquer tipo de tarifação e é isso que a reforma traz em relação ao dano moral, lembrando inclusive o que o Código de Hamurabi pregava há milênios atrás. O Brasil se volta hoje a essa prática extremamente perversa de tarifar o dano moral.
O trabalhador será a única classe de cidadão brasileiro com seu dano moral tarifado. Por exemplo, se um consumidor, um pedestre e um trabalhador estão passando ao lado de uma obra, cai algum material e atinge a todos, o trabalhador vai ter indenização limitada. O consumidor e o pedestre não, esses poderão ser amplamente reparados. Cria-se uma espécie de subclasse de gente, que é o trabalhador.
Tribuna – Como fica a justificativa de geração de emprego usada pelos defensores da medida?
Rafael Dias Marques – Estudos da Organização Internacional do Trabalho em mais de 60 países demonstram que essa onda flexibilizante apenas substitui postos de trabalho protegidos por trabalhos precários, sem proteção, desregulamentados e esporádicos. Não há aumento efetivo de mão de obra e não há aquecimento de economia.
A criação do emprego só surge quando a demanda está maior. Essa fórmula de retirar direitos para gerar crescimento econômico e diminuir custos é um argumento falacioso e que não se sustenta.
Na verdade, esconde o grande intuito da reforma que é diminuir os custos da mão de obra, aumentar a concentração de riqueza e a desigualdade social e, portanto, a própria exploração do trabalho.
Tribuna – O trabalho intermitente aprofunda essa exploração?
Rafael Dias Marques – O trabalho intermitente é uma das situações mais perversas previstas na reforma. Não tem garantia de qual será a jornada que vai ter nem qual o salário que irá receber no fim do mês.
A pessoa é contratada, mas é o empregador que vai chamar. E ele pode chamar uma hora hoje, três horas amanhã ou nenhuma hora nesta semana. O trabalhador não pode nem organizar a vida pessoal, seus estudos nem seu tempo com a família. O trabalhador pode deixar a relação de trabalho com dívida.
Tribuna – Como funciona a multa ao trabalhador?
Rafael Dias Marques – Se o empregador chama para um trabalho de seis horas, por exemplo, e o trabalhador se compromete a ir, mas não vai, ele é obrigado a pagar uma multa ao empregador correspondente a metade do valor da jornada estipulada, nesse caso, ao salário da jornada de três horas. É praticamente o que se vê na servidão por dívida muito típica do trabalho escravo.
Tribuna – Como o MPT atuou pelo veto da medida?
Rafael Dias Marques – Desde o momento em que Projeto de Lei foi apresentado ao parlamento, o MPT participou de toda a discussão, que foi apressada e afobada, sem efetivo diálogo com as centrais sindicais. O MPT produziu notas técnicas e elaborou pedido de veto ao presidente, que aprovou sem qualquer tipo de veto nem Medida Provisória até o momento.
Nós avaliamos que a guerra ainda não está perdida. Houve um importante golpe ao direito do trabalho no Brasil, mas é possível buscar interpretações que venham a minimizar os prejuízos trazidos por essa reforma.
Da Redação.