Renato Janine Ribeiro: A exploração política do caso da Receita é exagerada
Artigo de Renato Janine Ribeiro, publicada na Folha de S. Paulo e republicado no blog do Luís Nassif
“Cortem-lhe a cabeça! disse a rainha. Mas sem processo? perguntou Alice. Primeiro a condenação e depois o processo, explicou a rainha. No meu país é o contrário, retrucou Alice, primeiro o processo e depois a sentença. Aqui não, concluiu a rainha.”
Lembro essa cena de Alice no país das maravilhas, quando leio o inflacionado debate sobre algo que é erradissimo – a violação do sigilo de cinco nomes do PSDB, de centenas de outras pessoas na agencia Mauá da Receita e de centenas de milhares de declarações de renda vendidas na 25 de março, inclusive, talvez, a minha e a de vocês. Mas a exploração política do caso é exagerada. O senhor que retirou a declaração de Veronica Serra não é respeitado nem pelos jornalistas, que dizem que ele teria pedido dinheiro e que eles não teriam pago. Nada nele demonstra estilo petista, embora tenha aderido ao PT logo após a vitória de Lula – uma adesão que, pelo visto, não levou a nada. Mas os jornalistas creem numa única afirmação dele: de que o episódio visaria a prejudicar Serra. Por que essa seleção do que merece e não merece crédito en suas palavras? ainda mais levando em conta que, se alguém pode ser prejudicado pela história, é Dilma.
Na verdade, afora o fato de que nossas declarações de renda são vendidas na rua há anos e está na hora de parar com isso ou de pararmos de preenchê-las, o que me preocupa de imediato são duas coisas. A primeira é que a imprensa abriu mão de cobrir, a sério, as eleições. O Paraná vive um pleito complexo, com irmãos em lados opostos, com inimigos históricos que se tornam aliados e os jornais apenas repetem essa descrição, sem explicar como uma sociedade rica tem uma política pobre. Esse é um exemplo entre muitos. A cobertura eleitoral hoje é função dos quatro institutos de pesquisa, dos escândalos que surjam e, bem pouco, do trabalho de repórter. Isso augura mal para o futuro de uma profissão que um dia quis exercer.
O outro ponto é que, sem provas de ligação entre o detestável delito de violação de declarações e a candidatura Dilma, o candidato que está atrás nas pesquisas quer anular na Justiça os votos dela. Se isso for jogo de cena para levar a um segundo turno, não é bonito, mas vá lá. Mas, se for uma tentativa de anular, fechadas as urnas, 60% dos votos válidos e dar posse a um presidente votado por 25% dos eleitores, será um golpe fatal na democracia brasileira. Melhor seria a oposição e a imprensa que a apoia aceitarem que nas eleições se perde e se ganha, que elas não são uma guerra em que se mata o inimigo mas uma competição em que o povo escolhe o preferido para cada cargo. E o povo não merece que se destrua a democracia, que a discussão politica se reduza a uma crônica policial ou que os vários lados fiquem de birra um com o outro – como muito bem tem dito a candidata Marina Silva. Teremos, todos nós, que construir este país, pelo resto de nossas vidas. Melhor evitar paixões e atos que tornem, depois, difícil a colaboração, pelo menos entre quem gosta do Brasil.