Renda dos grupos D e E sobe mais de 50% em nove anos

O mercado consumidor formado pelas classes D e E no Brasil tem chamado cada vez mais atenção do setor produtivo. Em 2012, a massa de rendimento das famílias que formam a base da pirâmide no país chegou a R$ 21,1 bilhões, valor 83,4% maior do que em 2004, já descontada a inflação no período. O aumento levou a participação do grupo no total da massa entre as classes de 10,8% naquele ano para 12,4%.

No recorte por domicílio, a renda entre os 40% mais pobres aumentou 51%, contra 31,3 % da média nacional. O valor bruto da média mensal, que chegou a R$ 841, ainda é considerado baixo se comparado às medidas internacionais de desenvolvimento humano. O volume de recursos disponível para consumo, porém, é cada vez menos desprezível para algumas empresas. Por isso, setores como os de alimentos e serviços, inclusive o financeiro, já desenham políticas específicas para vender para esse público.

“Apesar do avanço dessas ações, os vulneráveis e pobres ainda são bastante ignorados pela iniciativa privada no Brasil e o potencial é grande”, afirma Luciana Aguiar, da consultoria Plano CDE. “As principais experiências nesse sentido têm se dado nos segmentos de alimentos e varejo”, completa.

Atualmente, ela explica, as multinacionais desses setores têm se dedicado a desenhar estratégias específicas e ganhar mercado entre a baixa renda, estimuladas pelo bom desempenho das marcas locais no Nordeste – região que, junto com o Norte, concentra o maior percentual de famílias das classes D e E. O sabão em pó Invicto, o leite Camponesa, as fraldas Sapeka e outros nomes poucos conhecidos no Sudeste e Sul têm uma penetração importante, afirma Luciana, e são percebidos pelos consumidores como marcas de qualidade, não apenas como alternativas mais baratas.

Nas contas da Plano CDE, a chamada base da pirâmide tem visto sua renda crescer 6,2% ao ano, a maior média entre as classes. Nesse sentido, merece atenção também o mercado do Sudeste, que tem uma representatividade importante em termos absolutos – são 10 milhões de pessoas, contra 23,7 milhões no Nordeste.

A estratégia para chegar nesses consumidores, aconselha a consultora, deve ser bastante diferente daquela usada para vender para a classe C. A dificuldade de distribuição dos produtos costuma ser maior, assim como o acesso da população aos serviços bancários e a produtos considerados supérfluos.

A Procter&Gamble tem focado em novas soluções de distribuição para chegar mais perto das famílias de baixa renda. Através de uma parceria com a Holding Favela, conjunto de empresas criada pela Central Única das Favelas (Cufa), a multi começou há seis meses um projeto-piloto em favelas do Rio de Janeiro e tem vendido seus produtos diretamente a comerciantes locais. Pulando os intermediários que marcam o comércio nessas áreas, a companhia consegue reduzir preço para o consumidor final e elevar a penetração das marcas.

O projeto continua em fase de testes pelos próximos seis meses, afirma Gabriela Onofre, diretora de marketing, e depois deve ser expandido para outras cidades. O esforço, segundo ela, vem do aumento significativo da participação da classe C nas vendas da P&G nos últimos oito anos, de 35% para 50%.

A Unilever também tem estudado como vender mais para a base da pirâmide. A companhia concluiu recentemente um estudo dentro de comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro e no Recife e analisa os primeiros resultados para revertê-los em ações. O levantamento, o primeiro do tipo realizado pela multinacional no mundo, foi feito através de moradores das próprias favelas, capacitados pela empresa.

Um dos aspectos que chamaram a atenção nesses segmentos, de acordo com Maria Luísa Orlando, diretora da área de pesquisas da Unilever para o Brasil, foi o empreendedorismo individual – uma alternativa de muitas famílias para tentar elevar a renda do domicílio. Nesse sentido, a multi relançou a linha Seda Keraforce e a está trabalhando exclusivamente com cabeleireiras das favelas, com direito a concurso cultural e recauchutagem de salão.

Um dos setores que recentemente mais tem olhado para as classes D e E é o financeiro. A modalidade de microsseguros – aqueles com custo baixo, vendidos muitas vezes a menos de R$ 10 – foi autorizado há pouco mais de um ano pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Desde maio já são dez empresas autorizadas a operar nessa modalidade. Segundo Eugênio Velasques, do grupo de trabalho de microsseguros da Susep, o ritmo de vendas neste primeiro período – de R$ 8 milhões no acumulado entre abril e novembro do ano passado – está dentro do esperado.

A expectativa do setor, afirma, é que o mercado de microsseguros no país se torne um dos mais significativos do mundo. “Uma pessoa de baixa renda no Brasil ganha bem mais do que um semelhante na África ou na Ásia”, justifica. Por conta disso, a área de microsseguros do banco Bradesco, do qual Velasques é diretor, vai expandir até o fim deste ano a oferta, hoje restrita a algumas favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo, a 1,1 mil agências em todo o país.

Do Valor Econômico