São Bernardo: Em busca da tecnologia de ponta
Cidade quer atrair recursos privados e fomentar o desenvolvimento regional
Com o objetivo de atrair investimentos para São Bernardo, o prefeito Luiz Marinho colocou nos últimos meses um holofote nos debates sobre inovação, transferência de tecnologia e cooperação produtiva entre o Brasil e as empresas que disputam a licitação dos 36 caças supersônicos da FAB (Força Aérea Brasileira). A partir dos debates sobre a operação, ressuscitados pelas visitas do prefeito de São Bernardo às fábricas da Saab e da Dassault, dois dos três concorrentes, a decisão sobre o tema foi prorrogada pela presidente Dilma Rousseff. Além das tratativas em torno dos projetos de instalação do polo de tecnologia aeroespacial em São Bernardo, Marinho fala sobre a política de valorização do salário mínimo.
Veja abaixo a entrevista com o prefeito, publicada originalmente na revista INOVABCD.
ABCD MAIOR – Por que o senhor e outros representantes da Região passaram a participar do processo para a escolha da aeronave que renovará a frota da FAB?
LUIZ MARINHO – O maior objetivo é garantir investimentos do vencedor em São Bernardo e na Região. Isso já teve efeito, com os investimentos da Saab no Centro de P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) que está sendo instalado no município. Nós estamos em busca dos três concorrentes, para que, independente da decisão, a cidade receba investimentos. Concretamente, a minha ida para a Suécia e o meu contato com os franceses têm como objetivo estimular os investimentos em São Bernardo e o desenvolvimento da indústria de defesa nacional. Isso respeitando os polos industriais já formados, como é o caso do Vale do Paraíba (SP) e Gavião Peixoto (SP).
ABCD MAIOR – Qual impressão você teve após as visitas à Saab e à Dassault?
MARINHO – No meu caso, a Suécia foi a porta de entrada ao debate. Se, eventualmente, eu não tivesse ido conhecer o Gripen NG, não tivesse me expressado em relação à aeronave e alertado a Suécia sobre onde deveriam atuar para criar condições de participar mais do debate, aparentemente, eles estariam fora da disputa. Talvez, se não fosse por isso, pode ser que a decisão sobre a compra dos caças não fosse adiada pelo governo federal. Do ponto de vista pessoal eu não tenho nenhum interesse nisso, o importante era pensar o que poderia vir de contrapartida para São Bernardo. Veio o Centro de P&D da Saab, só isso já compensou minha viagem e colocou a cidade e o ABCD no cenário do debate, o que criou condições de trazer o compromisso da Dassault de investir pesado na Omnisys (empresa de São Bernardo), caso vençam a disputa. A instalação do Centro de P&D é importantíssima, as universidades e as empresas da Região têm que participar disso para absorver a tecnologia e o conhecimento. A Dassault também vai fazer seminário em São Bernardo e está negociando com a Prefeitura o que é possível de se construir quanto a isso. Todos têm que participar. Agora, os americanos também querem que a gente visite a Boeing. Estamos analisando a possibilidade.
ABCD MAIOR – Você recebeu a visita do ex-presidente Lula há algumas semanas. O que ele acha da sua participação nesta disputa? Ele ainda defende o projeto francês?
MARINHO – Na visão do presidente Lula, isso não é a compra de um simples equipamento ou pacote de tecnologia, é um relacionamento de Estado. A França seria um Estado parceiro, para pensar não só a defesa, mas a inserção global do Brasil. Seria uma parceria estratégica de longo prazo. Os Estados Unidos são um bom parceiro comercial, mas têm dificuldades para se tornarem parceiros estratégicos. A Suécia é uma nação menor, mas do ponto de vista tecnológico tem muito a oferecer. Do ponto de vista de São Bernardo, o que importa são investimentos. Então tenho que me relacionar com os três. Mas, eu preciso respeitar esta visão macro que só a presidente (Dilma Rousseff) pode dar. Minha influência na decisão dela é quase zero, eu não tenho esta pretensão. Nosso objetivo é estabelecer relações com estas empresas e países para apresentar o potencial da nossa cidade e da Região. Por exemplo, vamos imaginar que a Boeing não seja a vencedora. Mas, a empresa não faz só caças. Ela pode vir a ter interesse de investir na Região a partir da apresentação adequada da cidade e do ABCD. O mesmo vale para a Saab e para a Dassault.
ABCD MAIOR – O corte no orçamento também pode influenciar no processo de compra dos caças supersônicos para a renovação da frota da FAB? A presidente Dilma já anunciou que a decisão deve acontecer neste ano, mas a compra deve ocorrer em 2012.
LUIZ MARINHO – Eu acho isso uma bobagem. Não tem desembolso do Brasil em curto prazo. Pode até ser usado como desculpa, mas não deveria. A data da decisão pode ser influenciada pela necessidade da presidente Dilma conhecer os três produtos, estar segura da melhor decisão política e econômica a ser tomada. A minha visão é que a definição entre os caças e a compra deve ser feita entre o final deste ano e o começo de 2012.
ABCD MAIOR – Em que pé está o projeto Cidade Digital, que oferece banda larga para a cidade inteira?
MARINHO – Nós estamos fazendo investimento público para montar a infovia. Até abril, a gente complementa os arcos de fibra ótica para que todos os órgãos municipais sejam ligados em rede, criando a condição de monitorar a segurança, o transporte, o clima e os seus efeitos para a cidade. Isso tudo para melhorar a qualidade de vida e alertar a população de possíveis problemas. O importante é pensar o conceito da Cidade Digital, investir na educação com a distribuição de 15 mil netbooks para a rede municipal para que as crianças, (hoje) com sete e dez anos, quando tiverem 20 anos possam ser talentos formados. A inovação e a pesquisa dependem de talentos. Precisamos estimular para fazer estes talentos aparecerem mais cedo.
ABCD MAIOR – Como presidente da CUT, em 2004, você idealizou a política de valorização do salário mínimo, com reajuste da tabela do imposto de renda, como forma de transferir renda e fortalecer o mercado interno. Você acha que já era hora de interromper o processo de reajuste do salário mínimo com aumento real?
MARINHO – Não houve interrupção. Como ministro, eu negociei com as centrais sindicais esta política determinada por algumas regras que foram negociadas a partir da formação de grupos de trabalho e avaliação de estudos. A partir daí estabelecemos que a política valeria até 2023, para que o salário mínimo atingisse um patamar robusto. Como se dizia que não dava para aumentar o salário mínimo, pois isso geraria inflação, condicionamos o aumento à variação do PIB consolidado dos dois anos anteriores ao período do reajuste. Isso, para justificar que a política era sustentável e não geraria inflação. Diziam que isso era pouco. Tanto não era pouco que veja o crescimento do salário mínimo nos últimos anos. O elemento principal do sucesso do Brasil e do crescimento do mercado interno não é o Bolsa Família. É a política de valorização do salário mínimo. Este ano teve a reposição da inflação, mas no ano que vem tem um grande crescimento com aumento real do salário mínimo previsto. É óbvio que cabe o debate a partir da regra, mas o corte orçamentário de R$ 50 bilhões não dá espaço para antecipar um pedaço da variação do ano que vem. O mais importante é a garantia da manutenção do acordo de crescimento ancorado na variação do PIB, política que se mostrou correta. Este ano o reajuste pegou o vale, no ano que vem pega o pico. Quem vaiou o (deputado federal) Vicentinho neste ano, no ano que vem vai aplaudir.
Do ABCD Maior