Saúde: “A CAT proibida”
"Não posso emitir sua CAT. Isso, além de te prejudicar, vai me causar problemas (...). Aqui eu não posso fazer nada". Acompanhe mais um crônica sobre as várias facetas das relações, poder e dominação no trabalho.
A porta do consultório se abre. Uma voz sem expressão chama seu nome seguido de um silêncio frio como o da sala de espera do ambulatório.
O olhar da recepcionista parece insistir para que ele se levante e entre logo, pois não há tempo a perder ali.
Meio acordado e meio dormindo, ele olha o relógio que marca seis e quinze da manhã e percebe que, no pouco mais de quinze minutos que esperou, chegou a dormir profundamente.
Entre um bocejo e uma espreguiçadela disfarçada, ele entra no consultório e vê o doutor sentado em sua mesa cabisbaixo, sem dirigir-lhe o olhar. Pára e sente a frieza da relação sem confiança de parte a parte. Aqui estão o trabalhador e a empresa frente a frente, pensa ele. Sem vínculos, sem olhos nos olhos, sem nada em comum, a não ser o patrão a quem um representa e defende, o outro teme e ambos obedecem.
Como está?, pergunta o doutor.
Estou indo, responde. Estou tentando trabalhar e tirar a produção, mas está cada vez mais difícil.
Mudou de função como determinei?
Ainda não. Falei com o supervisor, entreguei sua carta há quase um mês. Ele me pediu para agüentar mais um pouco, que ia ver se dava um jeito.
Depois de uma semana eu o procurei e ele me mandou continuar lá mesmo. Não havia nenhum trabalho diferente. A não ser que eu quisesse me afastar. Aí eu resolvi tentar mais um pouco.
Agora piorei, não agüento mais erguer o braço e o ombro não me deixa nem dormir.
Dói a noite toda. Acho que vou ter que me afastar.
Tudo bem. Vou fazer o encaminhamento, diz o doutor.
É bom mesmo você fazer um tratamento e ver se melhora, senão daqui a pouco vai começar a ter problemas com suas faltas e com seu baixo desempenho.
Ele então respira fundo, cria coragem e pergunta: Doutor, o senhor não vai fazer a minha CAT? Isso não é uma doença do trabalho?
O doutor, depois de uma tossidinha nervosa, continua escrevendo e diz: Você sabe que isso eu não posso fazer. Não posso emitir sua CAT. Isso, além de te prejudicar, vai me causar problemas. Além disso, seu caso é degenerativo, mas, se você quiser, procure o Sindicato. Aqui eu não posso fazer nada. A CAT está proibida.
Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente