Saúde|Caso para UTI

Autoridades nacionais e internacionais elegeram 2006 como "ano dos trabalhadores da saúde". Só esqueceram de avisar os interessados

Eunice é auxiliar de enfermagem
há 28 anos. Salário “base”:
R$ 125

por Aureliano Biancarelli – Fotos de Jailton Garcia

Ninguém sabe, ninguém viu, por que
órgãos
como a Organização Mundial de Saúde e
o
Ministério da Saúde escolheram este ano como o de
homenagem à “gente que faz
saúde”. É o
que constatam as entidades que representam os profissionais do setor.
Eliana Maria Esteban Calderoli, de 49 anos, é oficial
administrativa e cuida dos prontuários no Hospital Vila Nova
Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. Durante 14 anos,
trabalhou na recepção do pronto-atendimento e do
pronto-socorro, porta de entrada da angústia e do desespero
das
pessoas. “Tem dia que a espera chega a três, quatro
horas.
As pessoas ficam nervosas, agressivas. Já levei
empurrão,
xingamento, cuspiram na cara de uma colega minha. Não tem
segurança para evitar tumultos”, diz Eliana, que
ganha
cerca de 500 reais por mês. “Eu explico que o
Estado
não tem médico, que não faz concursos
faz tempo,
que muitos pediram demissão porque o salário
é
baixo. Mas as pessoas não têm de suportar tudo
isso.”

Na maternidade do Hospital Geral de Vila Penteado, na mesma zona norte,
a falta de pessoal atrapalha o programa de
humanização do
parto. “Somos quatro auxiliares de enfermagem por turno para
atender 30 mães e 30 bebês”, diz
Hévila de
Oliveira Nunes, que, somando todos os adicionais, recebe 1.145 reais
por mês. A copeira Maria das Graças (nome
fictício)
ganha salário líquido de 500 reais para servir
refeições em um hospital da zona sul onde esse
serviço é terceirizado. “É
revoltante
comparar a atenção que se dá ao
paciente da rede
pública com aquela que se oferece nos hospitais
privados”,
afirma. Nenhuma dessas profissionais vê no ano escolhido para
homenageá-las razões para comemorar.

“Sem valorização profissional,
não há
‘homenagem'”, diz Célia Regina
Costa, 48 anos,
presidente do Sindsaúde, entidade que representa
aproximadamente
91 mil trabalhadores da rede pública de saúde do
estado
de São Paulo. “Vivemos sem perspectivas. Os
profissionais
não têm como crescer nas suas
funções. Falta
plano de carreira”, denuncia. O profissional mais dedicado e
empenhado, que procura fazer cursos e ampliar suas
qualificações, é tão
valorizado pela
administração quanto quem trabalha para cumprir
tabela.
Essa desmotivação do profissional afeta
diretamente a
vida do paciente e compromete a almejada
humanização dos
serviços. “Como humanizar o serviço se
a
relação com o profissional é
desumana?”,
pergunta Célia.

A insatisfação leva os trabalhadores a sair em
busca de
outras ocupações, de novas perspectivas,
inclusive os
médicos. Segundo pesquisas feitas por entidades de classe,
nos
últimos anos os salários vêm caindo e a
carga
horária aumentando. Mais da metade dos médicos da
rede
pública tem três ou mais empregos e ganha menos de
6 mil
reais por mês.

O neurocirurgião Cid Carvalhaes, 60 anos, presidente do
Sindicato dos Médicos de São Paulo, assinala que
os
profissionais da saúde trabalham em
situações
muito adversas, com equipamentos precários, equipes
reduzidas e
até sob ameaças físicas.
“Não
há uma política de recursos humanos nem uma
política de educação continuada, de
qualificação, de adequação
profissional.
Estamos à mercê de governos, de interesses
eleitoreiros.
As coisas acontecem ao acaso. Alguns são contratados pelas
chamadas Organizações da Sociedade Civil de
Interesse
Público (Oscip), outros passam em concursos meio camuflados,
e
assim melhoram o salário. Não há
política
de incentivo.”

Nos últimos governos, segundo Cid Carvalhaes, o que se tem
visto
é