Saúde – O dia da perícia
Na pequena fila no terminal Jabaquara, comum nas férias de verão, a alegria dos adolescentes estudantes era substituída pelo silêncio sofrido dos trabalhadores.
Pensei se aquela quietude era sinal da solidão ou se naquelas pessoas havia menos esperança e sonhos e mais realidade e conformismo.
O trólebus partiu rápido com poucos lugares ocupados, mas como todos procuravam o lado da sombra, ele, me pedindo licença com um balançar de cabeça, sentou-se ao meu lado. Na mão uma pequena mochila, no olhar uma falta de luz, no rosto a barba de alguns dias emoldurava as olheiras do cansaço do dia-a-dia.
Perguntou-me se eu trabalhava no ABC ao que respondi que sim, em São Bernardo, e ele imediatamente continuou:
– Eu também. Trabalho numa montadora.
E você faz o quê? Perguntei?
Desenvolvimento de projetos, um trabalho que gosto muito, respondeu ele com uma ponta de orgulho na voz.
Por uns instantes fiquei pensando se ele estaria de férias, não era horário de entrada e nem era comum uso do transporte público, já que as empresas têm transporte próprio. Mas, como que entendendo o que eu pensava, ele acrescentou:
– Estou afastado do trabalho e estou indo ao INSS para uma perícia.
Satisfeita a minha dúvida, me senti a vontade para continuar na conversa e perguntei o que ele tinha.
– Tenho um problema de coluna, acho que está um pouco grave. Há mais de seis meses eu venho sentindo, mas fui aguentando, sabe como é?, respondeu ele
– Como assim? Por que não se afastou antes?, respondi com novas perguntas.
– Na verdade eu escondi enquanto pude. Na minha área, o pessoal vive com medo da terceirização, disse ele. Ninguém quer dar nenhum motivo para a empresa terceirizar. Na verdade, achamos que ela ainda não fez isso porque não tem um bom argumento e sem argumento o pessoal do Sindicato não vai deixar. Mesmo assim, todos trabalhamos com esse medo e fazemos de tudo para não dar motivo.
– Como assim? Perguntei.
– Fazemos de tudo: horas extras, trabalho nos sábados, adiamos férias, enfim, damos o sangue. Por isso, não falei nada da minha dor nas costas, tinha medo de ter de me afastar, mas agora não tive outra saída. Vamos ver como vai ficar .
Ficamos calados daí em diante. Antes de descer, já próximo à agência da Previdência Social, ele me perguntou:
– Você trabalha em firma também?
– Não, respondi, trabalho no seu Sindicato.
Ele deu um sorriso amarelo, entre preocupado e arrependido, disse tchau, levantou-se e saiu.
Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente