Saúde – Patologia
Mal o relógio marcou 18 horas e ele levantou-se da sua mesa de trabalho. Com um suspiro vestiu o paletó, ajeitou a gravata, ergueu os ombros e saiu apressado. Com tanta ansiedade nem sentiu passar o tempo no trânsito pesado daquele horário.
Não parava de pensar no dia seguinte. Finalmente, a escolha do novo supervisor da área estava a poucas horas. Nesses seis meses em que o processo se arrastava deu tudo de si no trabalho. Abandonou os amigos, afastou-se dos parentes e a própria família ficou em segundo plano. O objetivo era conquistar a vaga. Para isso fez horas extras, trabalhou muito além do necessário, foi simpático, comunicativo, prestativo e demonstrou, em cada oportunidade, que era uma pessoa de idéias e iniciativas, enfim, o empreendedor tão sonhado pela Companhia.
À noite, depois de jantar com o pensamento distante, jogou-se na cama exausto. Pegou no sono imediatamente.
Sonhou que vivia numa sociedade de patos. Era um deles. Não um marreco como aqueles que trabalhavam na produção, mas um pato elegante, inteligente e com um futuro promissor. Queria chegar ao topo, ocupar um lugar quase sempre destinado aos gansos. Nem sonhava com a presidência, pois esse era um privilégio dos cisnes, que geralmente vinham da matriz nos Ex-Patos Unidos.
Nessa tarefa árdua de conquistar a chefia fez de tudo. Competiu e passou para trás seus companheiros, bajulou o chefe, levou flores e bombons para a secretária dele e, acima de tudo, trabalhou muito mais do que agüentava.
Sofreu algumas crises de estresse, teve de conviver com uma dor nas asas diagnosticada como patossinovite aguda, teve pressão alta, uma úlcera na moela – comum nos patos estressados – e tornou-se dependente de um sonífero devido a uma depressão patológica.
Nadar nunca mais, nem mesmo um passeio a beira da lagoa. Agora era só trabalhar. Queria ser o escolhido.
Chegou o dia da escolha. Acordou cedo, em frente ao espelho passou um gel no penacho, esticou o pescoço tentando deixá-lo maior, bateu as asas com vigor como fazem os gansos e foi para o trabalho. Algum tempo depois veio a confirmação. O escolhido foi um ganso que nem trabalhava na empresa, mas tinha uma indicação do chefe.
Com um sobressalto ele despertou do pesadelo e correu para o espelho. Viu seu cabelo com o topete de gel ainda intacto. Estranhou uma dor no pescoço, mas sorriu, desalinhou os cabelos e voltou para a cama, afinal, amanhã será o grande dia.
Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente