Saúde: Sou um ombro direito
Crônica sobre a relação entre o trabalhador que sofre com alguma doença ocupacional e médico do trabalho
Ele chega meio sem jeito, pára diante de mim e fica me olhando. Percebo o desconforto expresso nos seus olhos e nos movimentos constantes das suas mãos, que equilibram um maço de envelopes de exames médicos.
Um cumprimento breve, um aperto de mão. Indico a ele uma cadeira, peço que me entregue o pacote de documentos e em segundos ele já está sentado, acomodado, mais relaxado e confiante.
– E então, como você está? Pergunto-lhe.
– Não muito bem, acabo de saber que após um ano de trabalho não vou ser efetivado.
Fui contratado como temporário por seis meses, e meu contrato foi renovado por mais seis meses. Nesse período tive de me afastar por dois meses. Não agüentava mais a dor no ombro direito, não conseguia mais trabalhar. Tive alta há 15 dias e voltei para a mesma função. Aí o chefe me avisou que ia ser dispensado por baixo desempenho. Não tive dúvidas, procurei a comissão e eles me mandaram passar aqui.
Para mim era uma estória conhecida. Acontece sempre.
Pedi que ele me descrevesse como era o seu trabalho.
– Bem, respondeu ele. Eu coloco as camisas nos blocos dos motores. Primeiro, eu passo óleo em cada uma delas, depois eu as coloco sobre o furo do bloco. Com um dispositivo que tem uma alavanca faço força para baixo com o braço direito até encaixar totalmente a camisa. Aí eu faço
uma medição e se estiver fora do padrão tenho que retirá-la e recolocá-la, numa nova operação. São em média 120 motores com seis camisas cada um e, em geral, uma recolocação a cada cinco ou seis é que dá certo.
– Sempre com o braço direito? Perguntei.
– Isso mesmo, sempre com o braço direito que é o lado da alavanca. Sou um ombro direito.
– E exige muito esforço?
– Sim, tenho de colocar o peso do meu próprio corpo para conseguir o encaixe
completo. Quase tenho de me pendurar.
Após examiná-lo, ver seus exames e conhecer seu posto de trabalho penso o que aconteceria com um garoto de 22 anos, que fosse para uma academia e durante oito horas por dia repetisse oitocentas vezes o mesmo exercício, utilizando para isso apenas o ombro e o braço direito.
As perguntas que tento responder são: Que trabalho é esse? Quanto de dinheiro paga esse sofrimento? Quem planejou uma atividade assim? Como é possível ter saúde fazendo esse tipo de trabalho? Será essa a nossa sina, a pena a que fomos condenados por termos nascido pobres?
Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente