Scania, 1978: a greve metalúrgica que acendeu a luta pela democracia
Trabalhadores na montadora cruzaram os braços e desafiaram a ditadura na manhã de 12 de maio. Era o início de uma luta que recolocaria a categoria no centro da política nacional

O dia 12 de maio carrega dois marcos históricos para os Metalúrgicos do ABC: a fundação do Sindicato, em 1959, e o início das grandes greves, em 1978. Neste último, os metalúrgicos na Scania, em São Bernardo, protagonizaram uma paralisação que surpreendeu o país e se tornou símbolo da retomada da luta da classe trabalhadora durante a ditadura militar.
O que parecia uma mobilização por reajuste salarial revelou-se um ato de coragem que reorganizou politicamente toda a categoria. “A greve na Scania, em 12 de maio de 1978, foi, sem dúvida, um marco na luta sindical no Brasil. Um movimento de muita coragem dos companheiros e companheiras que, em pleno regime militar, decidiram cruzar os braços para reivindicar reajuste salarial e condições mais dignas de trabalho”, afirmou Francisco Souza dos Santos, o Maicon, coordenador do CSE (Comitê Sindical de Empresa) na montadora.
A paralisação foi precedida por mobilizações em outras montadoras. Em 30 de março, setores da Mercedes cruzaram os braços; em 10 de maio, a estamparia da Ford também parou. Ambas foram duramente reprimidas com demissões. Em paralelo, o Sindicato já denunciava desde 1977 as perdas salariais de 34,1% provocadas pelo arrocho inflacionário de 1973 e 1974.

O ambiente político também favorecia a mobilização. Estudantes protestavam nas ruas, movimentos cresciam nos bairros e setores progressistas da sociedade pressionavam por abertura democrática. Como Lula já alertava em entrevista ao ABCD Jornal, que circulava em paralelo à Tribuna Metalúrgica: “A greve é a bomba atômica da classe trabalhadora”.
Estopim
E essa bomba foi acionada na manhã do dia 12. Um dia antes, os trabalhadores na montadora Gilson Menezes e Augusto Portugal avisaram a um jornalista da Folha de S. Paulo sobre a paralisação: “Amanhã, às 6 da manhã, a Scania vai parar. Mas não publique nada antes”. Era o risco calculado de quem sabia que, sem imprensa na porta da fábrica, a repressão cairia com mais força.
No dia seguinte, a ferramentaria não ligou as máquinas. A paralisação se espalhou por outros setores e, rapidamente, toda a fábrica estava parada. O movimento ganhou força e se espalhou por empresas do ABC, alcançando cerca de 300 mil trabalhadores. Em 16 de maio, o governo reconheceu oficialmente o movimento, mesmo tentando criminalizá-lo. Mas já era tarde: os trabalhadores haviam recolocado o operariado no centro da cena política nacional.

“O movimento, que teve efeito cascata, não representou apenas uma vitória da classe trabalhadora, mas também de toda a sociedade brasileira, pois simbolizou o início da redemocratização no país. Nós temos o dever de valorizar aqueles que tiveram a coragem de iniciar essa luta, mas também a responsabilidade de agir como guardiões da liberdade, para que um regime ditatorial nunca mais volte a ameaçar nosso povo”, completou Maicon.