Sérgio Nobre quer campanha em defesa do emprego e da produção
Governo deve participar das discussões junto com trabalhadores e empresários, sugere presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Foto: Rossana Lana / SMABC
Sergio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, reforça a importância da discussão sobre a forte demanda de produtos importados, sobretudo de veículos, em detrimento do emprego e da indústria. Em entrevista ao ABCD MAIOR, ele aponta os objetivos da criação de um grupo tripartite para evitar a desindustrialização no País. O sindicalista antecipa ainda que nas negociações da campanha salarial deste ano será importante conquistar um reajuste acima da inflação.
ABCD MAIOR – O que o levou a propor a criação desse grupo tripartite, que envolve sindicalistas, empresários e governo?
NOBRE – É preciso pensar qual modelo de indústria o País deseja e para isso apresentamos ao governo federal um projeto para recriar uma câmara tripartite para debater a questão. O Brasil carece de tecnologia e de políticas de incentivo à indústria nacional e, na verdade, estamos importando cada vez mais produtos manufaturados. Nossas empresas possuem competência para desenvolver produtos de alta tecnologia, mas é preciso trabalhar em conjunto com empresários e governantes para que o setor possa crescer e melhorar a participação no mercado nacional e internacional.
ABCD MAIOR – A iniciativa é um desdobramento do seminário “ABC do Diálogo e do Desenvolvimento” realizado há dois anos em São Bernardo?
NOBRE – A conjuntura econômica na época pedia a união de trabalhadores, empresários e poder público. A crise colocou em posições contrárias os diversos agentes envolvidos. Mas, neste ano entendemos que existe a necessidade de todos atores trabalharem em conjunto para fortalecer o setor industrial brasileiro.
ABCD MAIOR – A criação desse novo grupo tem a ver com as câmaras setoriais criadas em 1992?
NOBRE – Sim. A câmara Setorial Automotiva, de 1992, foi formada para evitar a desindustrialização do País. Conseguimos reunir trabalhadores, governo e empresários para dobrar a produção de veículos, aumentar os salários e avançar na inovação. Foi nela, por exemplo, que surgiram os carros populares.
ABCD MAIOR – Naquela época, o contexto econômico signficava a ameaça de fechamento das fábricas e o desemprego. E agora o cenário é outro. A iniciativa é uma antecipação ao que pode vir ocorrer?
NOBRE – A situação atual é semelhante à de 20 anos. A importação de veículos no ano passado impediu a abertura de 103 mil empregos aqui. A situação já começa a se repetir em outros setores, como o eletrônico e de máquinas. Nosso objetivo é lutar para que ocorra uma mesa permanente de negociação entre todos os atores envolvidos. Acredito que esse grupo tende a trabalhar para que possa ocorrer o desenvolvimento de tecnologia, inovação, competitividade e modernização do parque industrial, combinados com emprego de qualidade e relações de trabalho mais avançadas. É impossível fazer tudo isso se não houver a cooperação do governo, sendo assim nossa proposta é de que seja criado um fundo de investimento em questões ligadas a tecnologia e educação.
ABCD MAIOR – E agora, essa união vai ajudar a evitar a avalanche de importados, sobretudo no Brasil?
NOBRE – A nossa expectativa é melhorar esse quadro. É preciso que o governo federal pense melhor em um plano para conter as importações. Nós acreditamos que o Brasil continue a crescer, mas o crescimento não pode ser apoiado na importação de produtos prontos. Não queremos ser um País apertador de parafuso, mas continuar sendo um dos grandes produtores de veículos e também começar a atuar com mais presença no setor de desenvolvimento de novas tecnologias.
ABCD MAIOR – E a desoneração de impostos? É uma boa medida para quem defende política social?
NOBRE – É importante que ocorra uma diminuição nos impostos. Acredito que é uma forma muitas vezes de impulsionar o crescimento. Na crise passada, tivemos a redução do IPI (Imposto sobre produtos industrializados) que permitiu a muitos consumidores comprar o seu primeiro veículo. Os governos em todas as suas esferas precisam elaborar um plano para que de fato a nossa economia possa continuar crescendo.
ABCD MAIOR – Com o corte de R$ 50 bilhões no orçamento federal, como fica a formação de mão de obra, a qualidade do emprego e os salários?
NOBRE – É um corte que certamente não estava nos planos, mas nossa expectativa é que mesmo assim a administração federal consiga trabalhar para criar novas escolas e universidades no País. É essencial que se invista em educação para termos trabalhadores qualificados em diversos setores da economia. Na nossa concepção, o trabalhador da indústria é quem de fato precisa contar com novas universidades para ampliar o seu conhecimento e consequentemente trazer sugestões de inovação para dentro da empresa.
ABCD MAIOR – A luta para melhorar a competitividade das empresas, o investimento em tecnologia nas autopeças e a renovação da frota de veículos estão contempladas entre as medidas previstas pelo grupo?
NOBRE – De fato foi uma das propostas apresentadas para o governo federal. Nosso objetivo é sindicato, governo e os empresários trabalharem em conjunto de forma permanente para que seja possível melhorar o nosso cenário industrial. O emprego na indústria é sempre um dos mais almejados pelas pessoas e para continuar é preciso unir todas as partes para encontrar as melhores soluções para o setor. Já em relação às autopeças é preciso uma atenção ainda maior. É um setor que sofre muito com a vinda das peças do exterior. Sabemos que possuímos condições de melhorar o nosso desempenho, mas novamente é preciso que ocorra interação entre ambas as partes para que esse segmento não desapareça como ocorreu no de vestuário e de calçados.
ABCD MAIOR – Qual o posicionamento do sindicato sobre os juros e os tributos no País?
NOBRE – O nosso País possui umas das taxas de juros mais altas do mundo e isso acaba dificultando a nossa expansão. Acredito que os juros são uma decisão política. No Brasil, quem define a taxa e o câmbio são as operações de mercado, quando na verdade, quem deveria definir é o governo. Já na China ocorre uma decisão política e quem bate o martelo é o próprio governo. É preciso que no Brasil ocorra uma estratégia de desenvolvimento para que de fato seja possível definir as taxas de juros.
ABCD MAIOR – Qual a expectativa para a campanha salarial deste ano? Quais são as metas, objetivos e o que o trabalhador deve esperar do resultado destas negociações com os empresários?
NOBRE – Será uma campanha desafiadora sem dúvida alguma. Vamos trabalhar para fechar acordos que sirvam tanto para os trabalhadores que atuam nas montadoras quanto para os que trabalham nas autopeças. Acredito que será possível obter um reajuste acima da inflação, mas é preciso que ele seja dimensionado para não prejudicar ou agravar as empresas que já apresentam problemas e também não pode afetar os novos investimentos. Apesar de o País estar registrando um desempenho positivo, o crescimento não irá beneficiar a todos de maneira igual.
ABCD MAIOR – O País está caminhando para uma desindustrialização?
NOBRE – É cedo para dizer que estamos caminhando para uma desindustrialização, mas já há sinais. Na medida em que cresce a renda da população, automaticamente, amplia a necessidade de se ter empresas que atuem no setor serviços e faz com que diminua a atuação da indústria.
Do ABCD Maior