Setor automotivo avança, mas montadoras evitam previsões
"No Brasil, as empresas são um pouco mais independentes das matrizes. As montadoras aqui não cortarão investimentos, até porque elas têm sido bastante rentáveis e estão ajudando a minimizar perdas lá fora", diz analista do setor
Com investimentos de US$ 23 bilhões previstos para os próximos três anos e um cenário de crise financeira internacional crescendo no retrovisor, montadoras de veículos do País mostram-se reticentes em fazer previsões para 2009, enquanto analistas e especialistas do setor apostam em uma expansão das vendas a um ritmo menor do que o previsto para este ano.
Vivendo recorde de produção e vendas, a indústria automotiva brasileira enfrenta um cenário diferente das crises que impactaram o País entre o final da década de 1990 e 2000 ao conviver com aumento da renda dos consumidores e com um sistema bancário mais estruturado e que atualmente concede crédito para cerca de 60% das vendas do setor.
Mas, após anúncios de férias coletivas em algumas montadoras – como General Motors no início deste mês – cortes de prazos e aumentos de juros de financiamentos, além da queda de 10% nas vendas das duas primeiras semanas de outubro frente ao mesmo período de setembro, não se pode dizer que o clima na indústria, responsável por 5% do Produto Interno Bruto do País, esteja totalmente tranquilo.
“Em 2008, não vemos nada mudando em termos de pedidos. Mas para 2009, segundo conversas informais que tivemos com montadoras, já existem algumas delas revisando planos para baixo”, disse o diretor-superintendente para América Latina da fabricante alemã de pneus Continental, Renato Sarzano, referindo-se às aproximadamente 10 fabricantes de veículos instaladas no Brasil.
A companhia recentemente ampliou sua única fábrica de pneus na América Latina, instalada há cerca de dois anos na Bahia, e tem previsão de aumento de 20% da produção em 2009, para cerca de 5 milhões de pneus.
“Se houver cortes de planos para o ano que vem será muito mais porque todo mundo (montadoras) estava planejando crescimento e o pessoal caiu um pouco na realidade agora”, disse Sarzano. “Ninguém está apostando que 2009 será menor que 2008 em termos de vendas.”
Nenhuma montadora procurada desde a semana passada quis se manifestar sobre o impacto da crise internacional no País, mas entre analistas as expectativas são de expansão das vendas da ordem de 10% a 15% em 2009 depois de um salto previsto para 2008 da ordem de 24%.
A queda na velocidade das vendas é vista, inclusive, com um viés positivo uma vez que a indústria trabalha perto de seu limite de capacidade, com algumas montadoras recorrendo a dispendiosos terceiros turnos para fazer frente à demanda em alta.
“Qualquer movimento um pouco diferente de uma curva de vendas cria um desassossego. Mas nesse momento, todo o sistema começa a se movimentar para compensar essas forças contrárias. As promoções e juros menores dos bancos das montadoras já começaram, por exemplo”, afirmou Luiz Carlos Mello, diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA) e ex-presidente da Ford no Brasil entre os anos de 1987 e 1992.
“O mundo hoje funciona à base de vasos comunicantes, mas imaginar que por isso o mercado estará decidido a não comprar (automóveis) é algo que está a uma distância infinita da realidade”, acrescentou. Mello aposta em uma expansão das vendas de veículos da ordem de 12% a 15% em 2009 sobre as estimadas 3,06 milhões de unidades de 2008.
Menos otimista que Mello, o líder da área automotiva da consultoria PricewaterhouseCoopers para América do Sul, Marcelo Cioffi, prevê que as vendas da indústria brasileira de veículos cresça cerca de 10% ao ano nos próximos anos.
“Esse crescimento de 25% a 30% ao ano que vinhamos tendo não era sustentável. Nenhum mercado se sustenta crescendo tão rápido”, afirmou, acrescentando que o ritmo de 10% ao ano ainda é “muito alto porque é o dobro do que crescerá a economia”.
Segundo ele, os impactos da crise internacional no Brasil por enquanto estão ocorrendo sobre prazo e taxa de juros, enquanto a confiança e a renda dos consumidores se mantêm firmes. “Isso tende a frear o crescimento da indústria no curto prazo, mas no médio prazo, para ter um impacto mais forte, a crise precisa afetar a confiança e a renda do consumidor, o que é algo que ninguém está conseguindo prever ainda”, disse Cioffi.
O Índice de Confiança do Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) teve alta de 6,2% em setembro contra agosto e de 3,4% contra o mesmo mês de 2007.
“Não acho que os investimentos serão revistos, porque as montadoras, antes mesmo de a crise se agravar, já trabalhavam com crescimento bem mais modesto a partir de 2009”, disse o analista da consultoria Tendências, Alexandre Andrade, que espera crescimento de 11,5% nas vendas de veículos em 2009.
“No Brasil, as empresas são um pouco mais independentes das matrizes. As montadoras aqui não cortarão investimentos, até porque elas têm sido bastante rentáveis e estão ajudando a minimizar perdas lá fora. O mercado brasileiro tem muito espaço para crescer ainda e várias montadoras estão olhando com muito carinho para isso”, afirmou Andrade. Segundo ele, existem no Brasil oito habitantes por veículo enquanto nos países desenvolvidos a relação é de dois.
Da Reuters