Setor de peças quer mudar conteúdo local

Os representantes da indústria de autopeças esperam uma convocação do governo para participar dos últimos acertos do novo regime automotivo. Eles querem reforçar a defesa pela mudança no cálculo do conteúdo nacional na tentativa de obrigar as montadoras a comprar mais peças feitas no Brasil. O presidente da Renault, Jean-Michel Jalinier, diz estar tranquilo porque faz parte da política da empresa dar preferência à compra de peças no país onde produz os veículos para fugir das oscilações cambiais.

O que mais chama a atenção da equipe do governo, segundo fontes da indústria, é a sucessão de déficits na balança comercial do setor. Do lado dos fabricantes de veículos, a balança comercial foi negativa em US$ 2,3 bilhões em 2008, em US$ 4,1 bilhões em 2009 e US$ 5,4 bilhões em 2010. A projeção para este ano, ainda não divulgada, indica alta desse déficit.

Os fabricantes de componentes argumentam que a maior parte desse resultado negativo vem das importações de autopeças. Até a publicação do decreto que elevará o IPI dos carros com conteúdo nacional abaixo de 65%, nesta sexta-feira, não havia no país nenhuma exigência em relação a índice mínimo de conteúdo local, exceto para as empresas que querem usufruir da isenção de impostos de veículos comprados na Argentina.

Nesse caso, vale a regra do regime automotivo Brasil-Argentina, que exige conteúdo local de 60%. Ou seja, a montadora pode trazer carros do país vizinho isentos de Imposto de Importação desde que o veículo tenha sido feito com 60% de conteúdo regional – as peças podem ter sido produzidas em qualquer um dos dois países.

Como praticamente todas as montadoras instaladas no Brasil querem aproveitar o benefício fiscal do regime Brasil-Argentina, passou a ser quase uma regra atingir os 60%. Mas os fornecedores querem que o governo mude a fórmula de cálculo, hoje feita com base no custo de venda do veículo. Ou seja, entram na conta não apenas o custo de fabricar o produto como toda a despesa da venda, incluindo propaganda, e até os lucros que o fabricante obtém.

Um estudo que o Sindicato da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças) já levou ao governo e que recebeu o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC mostra que a participação do valor de peças compradas no país num carro no qual hoje consta índice de nacionalização de 60% cairia para 21% se fosse registrado somente o que foi efetivamente gasto com componentes nacionais. Os 39 pontos percentuais restantes se referem ao custo com a manufatura (incluindo despesas como mão de obra, luz, etc) e gastos para a venda, como publicidade.

O governo terá ainda mais uma questão a resolver: como calcular o índice de nacionalização das próprias autopeças. A maior parte das empresas que fornecem diretamente para s montadoras também importa. São os chamados sistemistas. Um sistemista compra peças de subfornecedores para fabricar conjuntos completos, que vão desde o sistema de freios, por exemplo, até o painel do carro, feito de uma infinidade de peças.

Uma empresa de autopeças instalada no Brasil pode, por exemplo, montar um conjunto a partir de itens importados. E vendê-lo à montadora como peça nacional. Controlar o índice de nacionalização desse produto será outro desafio para o governo.

Além disso, a discussão envolve interesses distintos dentro de um mesmo setor. Os sistemistas estão menos interessados no controle da nacionalização do que as empresas menores. A prova de que a própria indústria de autopeças passou a importar com mais vigor nos últimos anos está na sua balança comercial, também deficitária desde 2007. O resultado foi negativo em US$ 84 milhões em 2007, saltando para o déficit de US$ 2,5 bilhões em 2008, US$ 2,4 em 2009 e US$ 3,5 bilhões em 2010.

Segundo Jalinier, que está deixando a presidência da Renault no Brasil para assumir o comando da Renault Sport F1 na França, a empresa prefere comprar componentes no país onde produz seus carros para evitar a oscilação cambial.

Jalinier apelidou a alta de IPI em 30 pontos percentuais nos carros com baixo conteúdo local de “super IPI”. Para ele, o novo tributo é, de fato, elevado demais. Mas os efeitos da medida dependem do que virá depois: “Se não houver um plano de competitividade ao longo de dois a três anos o efeito do ’super IPI’ poderá ser pior”.

Do Valor Econômico