Sindicato coloca categoria no centro da 1ª Conferência Nacional por Inteligência Artificial com Direitos Sociais

Evento reuniu dirigentes, pesquisadores e entidades na Sede dos Metalúrgicos do ABC e na UFABC, em São Bernardo, para debater impactos da IA no mundo do trabalho

Foto: Adonis Guerra

A 1ª Conferência Nacional por Inteligência Artificial com Direitos Sociais reuniu, nos dias 2 e 3 de outubro, dirigentes, pesquisadores e representantes de diversas entidades na Sede dos Metalúrgicos do ABC e na UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Bernardo.

O encontro discutiu os impactos da revolução tecnológica sobre o mundo do trabalho e lançou bases para uma agenda que una inovação, proteção social e soberania nacional.

O objetivo foi claro: pensar a inteligência artificial a partir da perspectiva de quem trabalha, articulando desenvolvimento com direitos humanos, democracia e organização sindical, marca do protagonismo histórico do ABC na defesa de um futuro do trabalho com justiça social.

Foto: Adonis Guerra

O presidente do Sindicato, Moisés Selerges, abriu a conferência destacando a conexão entre as lutas políticas atuais e os desafios trazidos pela IA. Ele lembrou que a mobilização popular recente, que derrubou a chamada “PEC da Blindagem”, foi uma demonstração de força social. “Foi uma vitória histórica! E logo depois, conquistamos outra: a aprovação do projeto que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil. Isso não aconteceu por boa vontade da direita, mas pela pressão do povo organizado”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o dirigente provocou a reflexão central do encontro: “Quando entrei na Mercedes, eram 18 mil trabalhadores; hoje, são cerca de 7.500. Não sou contra o avanço, mas pergunto: qual será o futuro do trabalho? O avanço tecnológico deve servir às pessoas, não substituí-las, nem precarizar suas vidas. O Estado tem papel essencial: regular para proteger, não para oprimir. O nosso papel, como trabalhadores e trabalhadoras, é entregar uma sociedade melhor às próximas gerações. É por isso que estamos aqui: para discutir, propor e agir”.

Transições

Foto: Adonis Guerra

Na sequência, Aroaldo Oliveira da Silva, presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e da IndustriALL-Brasil, situou a conferência em meio a três transições simultâneas: digital, ambiental e demográfica. Ele lembrou que “a eletricidade usada para gerar um e-mail de 100 palavras com IA consome energia equivalente a 14 lâmpadas de LED por uma hora”, e que a IA, além de impacto econômico, pesa na transição energética e na desigualdade.

“Temos 20 milhões de pessoas recebendo algum tipo de renda via plataformas e 40 milhões ainda desconectadas. A IA precisa reduzir desigualdades, não ampliá-las”, alertou. O dirigente também criticou a concentração de ganhos de produtividade nas grandes corporações e defendeu a qualificação sindical para que “transição justa” deixe de ser apenas um slogan. “Ela tem que virar cláusula de acordo coletivo”, disse.

Entre as propostas, destacou formação profissional contínua, regulamentação da IA no Congresso, tributação das Big Techs e criação de um modelo brasileiro de tecnologia inclusivo, soberano e humano. “O debate não é se a IA é boa ou ruim, é sobre como será usada, regulada e controlada. O papel da classe trabalhadora é garantir que a tecnologia esteja a serviço da democracia e da justiça social”.

Desafios

Foto: Adonis Guerra

O avanço tecnológico foi tema comum nas falas de José Vital, do INIADS Brasil (Instituto Nacional por IA com Direitos Sociais); Gheorge Vitti, presidente do Sindicato dos Bancários do ABC; e Adriana Marcolino, diretora-técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Foto: Adonis Guerra

Para Vital, a conferência representa um marco de reorganização do movimento sindical diante da maior revolução tecnológica da humanidade. “Precisamos ampliar direitos em meio a esse novo cenário, e não apenas preservá-los”. Já Vitti alertou para o impacto da digitalização no setor financeiro. “Os bancos investem pesado em tecnologia, mas cortam empregos e reduzem canais de atendimento, enquanto aumentam as taxas aos clientes”.

Foto: Adonis Guerra

Adriana reforçou os riscos da ausência de regulação e soberania. “Um quarto dos empregos no mundo pode desaparecer com o avanço da tecnologia. Sem política nacional, os bons postos não ficarão aqui”, afirmou, enfatizando regras que garantam que a inovação beneficie a população.

“Sem regras, dados viram armas para precarizar e manipular”

Debate na UFABC reforça necessidade de regulamentar a Inteligência Artificial e garantir soberania digital e direitos sociais

A Conferência retomou os trabalhos na sexta-feira, 3, na UFABC, com foco no papel do movimento sindical na construção de uma transição digital justa, democrática e inclusiva. Em um dos debates, o diretor administrativo do Sindicato, Wellington Messias Damasceno, e a vice-presidente da CUT Nacional, Juvandia Moreira, colocaram soberania de dados, regulamentação e redução de jornada no centro da agenda.

Foto: Adonis Guerra

Wellington destacou o caráter político, ideológico e de classe da disputa tecnológica e frisou que regulamentar IA é tão inadiável quanto enfrentar o poder das Big Techs. “Esse é o novo conflito geopolítico. Falamos de Big Techs, mas falamos pouco de regulamentação da IA. Se não organizarmos uma frente que una sindicato, academia e movimentos sociais, a história se repetirá: produtividade e lucratividade sobem, e a desigualdade também”.

Ele lembrou que a indústria viveu a onda do 4.0 e agora encara a digitalização total. Sem negociação coletiva escrita, que trate de cláusulas claras sobre introdução de tecnologias, informação e obrigação de negociar, o risco é ampliar a informalidade e o achatamento salarial. Daí a centralidade de uma agenda com redução da jornada, divisão dos ganhos de produtividade, renda básica, qualificação massiva e soberania digital.

“Soberania de dados é luta concreta: quem coleta, quem usa, com que limites? Sem regras, os dados viram armas para precarizar e manipular. Precisamos regular IA, garantir transição justa negociada e repartir ganhos com trabalhadores e sociedade”.

Manifesto

O encontro marcou o lançamento do Manifesto de São Bernardo do Campo pela Inteligência Artificial com Direitos Sociais, documento que resgata a memória de lutas do ABC para convocar uma nova frente de organização na era digital. O texto alerta para o poder concentrado das corporações, os algoritmos que moldam a vida sem controle social e o risco de o Brasil se tornar “colônia digital”, defendendo que a tecnologia seja instrumento de emancipação coletiva e soberania nacional. Para saber mais, acesse: frenteiacomdireitossociais.com.br.

Participaram do segundo dia da conferência Ladislau Dowbor, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP); Lucy Praun, da UFABC; Ricardo Antunes, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Nina da Hora, cientista política; Sérgio Amadeu, da UFABC; o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu; e o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).