Sociedade não aceita Projeto de Lei que criminaliza aborto legal
No país em que, a cada 8 minutos ocorre um estupro, ultraconservadores defendem punição maior para mulher estuprada que aborta do que para estuprador. Não passarão!
Imagine a seguinte situação: você percebe que sua filha não está se sentindo bem, apresenta enjoos, vômitos, dores, algum inchaço abdominal. Você, pai/mãe zeloso (a) que é, acolhe sua criança e vai direto ao pronto socorro. Após alguns exames, um médico com sorriso amarelo e sem nenhum constrangimento diz “Parabéns, você vai ser vovô/vovó!”. Sua filha desaba a chorar. Você e sua esposa (o) não sabem como reagir. De volta para casa, ela só chora e não diz nada.
Mais tarde, no quarto, um pouco mais calma, consegue relatar, em lágrimas, o estupro que sofreu. Ela teve receio de contar porque ele era conhecido da família, ela teve medo das reações, da sua inclusive. Se sentiu culpada por estar usando um vestido curto naquele dia. Após o momento de dor, vocês decidem levá-la para fazer o procedimento de interrupção da gravidez.
Acontece que, como, ela ainda não conhece bem seu ciclo menstrual e não soube identificar os sintomas, já passa da 22ª semana de concepção. O hospital se recusa a fazer o procedimento. Você tem contatos e consegue que ela realize o aborto. Ao finalizar, você sai da clínica algemado e poderá ficar na cadeia por quase 20 anos, sua filha, se menor de idade, terá que cumprir medida socioeducativa, se for maior, ficará encarcerada pelo mesmo tempo. O monstro – como foi classificado o estuprador pelo presidente Lula em entrevista ontem à Rádio CBN – talvez siga solto fazendo outras vítimas.
É exatamente isso que propõe o Projeto de Lei 1904/24 de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). O texto, colocado em discussão em regime de urgência, qualifica como homicídio o aborto a partir da 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro. O procedimento seria considerado, então, um homicídio — com pena de seis a vinte anos de prisão. Tanto para a grávida quanto para quem ajudá-la a abortar.
Vamos juntas combater o PL 1904!
A diretora executiva do Sindicato, coordenadora do Coletivo das Mulheres Metalúrgicas do ABC, se soma às milhares de vozes que se opõem ao projeto, o qual, segundo ela destaca, não pode ser chamado de PL do aborto, mas sim de PL de criminalização do aborto legal. “Há uma evidente tentativa de manipular a opinião pública. O que está em discussão não é a legalização do aborto, é a punição da vítima, é a tentativa absurda de criminalizar um procedimento permitido por lei”.
“Ultraconservadores usam esse PL 1904 para se contrapor ao governo. Punir ainda mais a criança, adolescente ou a mulher que foi estuprada é algo monstruoso, estarrecedor. Só é capaz de propor ou defender algo desse tipo quem não consegue se colocar no lugar do outro ou que nunca tenha vivido situação semelhante. Trazer essa reflexão do “e se fosse com você?”, é necessária para que o congresso passe a legislar mais pelo coletivo do que por suas afetadas convicções individuais”, defendeu a dirigente.
“Ao invés desses políticos estarem preocupados em combater o crime de estupro, querem criminalizar as vítimas. Sabemos que essas discussões só acontecem porque vivemos em uma sociedade ainda extremamente machista, que se os homens engravidassem a discussão sobre a criminalização do aborto seria muito diferente. Estaremos firmes nessa luta para combater esse tipo de situação que só envergonha nossa sociedade”, declarou Andrea.
Um estupro a cada oito minutos
No Brasil, de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, a cada oito minutos, uma menina ou mulher é estuprada. No ano passado, o país registrou o maior número da história 74.930 estupros. Desses, 56.820 foram contra vulneráveis.
No ano passado foram realizados no país 2.687 abortos legais, de acordo com o Ministério da Saúde. Desse número, 140 foram de meninas até 14 anos de idade.