Sofrimento no trabalho: “A produtividade é alienante”
O médico psiquiatra Eduardo Losicer fez palestra sobre O sofrimento no trabalho
durante o Dia do Cipeiro no último sábado. Para ele, o sistema de produção total
causa um isolamento psíquico no trabalhador que acaba se transformando em doença
sem que ele perceba. “É o triunfo do neoliberalismo, que impôs uma filosofia da
alta produtividade a qualquer custo, e a produção é o sistema que sustenta todo
o trabalho. É o triunfo de um modo de produção”, diz. Veja os principais tópicos
da palestra.
Produção total aliena
Há casos relatados
por trabalhadores nas plataformas da Petrobrás, que ficam 14 dias embarcados. Lá
existe o chamado sistema total de trabalho. É uma estrutura de poder regida pela
produtividade. O pessoal é altamente especializado, a plataforma funciona 24
horas por dia com produção máxima, sistema de turnos com tudo programado e
debaixo de sistemas de segurança testados a todo
momento.
Manifestação da doença
São vários os
casos da manifestação da doença entre eles. Um aconteceu quando o trabalhador
avisou aos companheiros que a conversa estava boa mas que ele precisava voltar
para casa. E se atirou em alto mar. Em outro caso o trabalhador saiu de casa
para comprar cigarros e nunca mais voltou, e não sabia dizer porque tomou essa
atitude. Outro trabalhador reclamava da dificuldade de falar em casa sobre o que
acontecia na plataforma e se isolava cada vez mais de
todos.
Sistema derruba limites
Esse sistema
derruba os limites do trabalhador e parece ser uma exigência do próprio sistema.
Esse estado de alienação não é produto das condições de trabalho, mas sim do
próprio sistema de confinamento psíquico a que o trabalhador está submetido. E
não só numa plataforma. Há o isolamento num sistema de produtividade
máxima.
Trabalhador não percebe
A doença é invisível,
que não aparece como um problema médico a ser tratado. O trabalhador sabe que
carrega uma bomba-relógio que pode estourar na forma de uma depressão, insônia
ou alcoolismo. Ou então a bomba já estourou e ele não
percebeu.
Dois mundos numa vida só
Ele passa a ter
dois mundos. Um é o do trabalho, do sistema de produção total e o outro é o
mundo onde amigos e família não o reconhecem. A dificuldade dele transmitir o
isolamento no trabalho cria um outro isolamento.
Sistema é
cruel
O isolamento acontece no mundo perfeito da produtividade, onde
tudo funciona e nada interfere no programado, onde cada um tem um papel a ser
cumprido. Chegamos num ponto onde não se respeitam os limites do ser humano e as
empresas usam as técnicas mais perversas para extrair a produtividade
total.
Ultrapassar o silêncio
Não dá para detectar o
problema antes. Mesmo com sofrimento, o trabalhador não tem uma auto-consciência
da doença e não associa o sofrimento à doença. Ele precisa conversar com os
companheiros e isso é difícil dele fazer. Também é impossível aos outros
escutá-lo.
Reconquistar a autonomia
O capital pensou
o trabalho, pensou a nossa vida, mas o trabalho não pensou no próprio trabalho.
A empresa pensa em tudo e a pessoa realiza projetos já calculados e assim fica
alienada do próprio trabalho. Se o trabalhador reconquistasse a autonomia de
gerir o trabalho e a própria vida, o isolamento vai desaparecer e o sofrimento
vai diminuir ou acabar.
O sistema vai falhar
O início
de tudo é a fala, para juntar o que foi colocado de maneira isolada. É preciso
ligar as pessoas e reagir. Organizar a resistência. Qualquer reação é um prazer,
independente de ele conseguir ou não dobrar o sistema. Não há penosidade maior
que a de ser passivo. Acredito que o sistema tenha brechas e furos. Um dia ele
vai falhar totalmente e não estamos muito longe desse dia.