Solidariedade e região

O ABC está de parabéns. Pelas suas “Madres Terezas”, pelos exemplos de solidariedade homenageados na noite de terça pelo Diário e pela Livre Mercado. E, também, por outro fato, ocorrido na última quinta-feira. Um fato, tão importante quanto o primeiro, embora sem nenhuma visibilidade de mídia.

E não foi nenhuma reunião clandestina. Nem tampouco mais um encontro de sindicalistas ou empresários, preocupados com tecnologia ou questões econômicas. Muito pelo contrário. Foi cheio de emoção, tanto quanto o depoimento das “Madres Terezas” diante dos convidados que lotaram o Clube de Tênis de Santo André.

O ponto alto deste evento sem registro foi o depoimento de um senhor, anônimo, mas um cidadão. Alfabetizado há três anos, relatou sua experiência de atravessar a vida sem saber ler e escrever. Em plena luz do dia, falou para um público de cerca de 70 pessoas entre sindicalistas, empresários e secretários dos prefeitos de seis municípios da região, reunidos no auditório da Ford, no Taboão.

O objetivo do encontro era discutir a ampliação de um projeto revolucionário neste nosso País de miséria e ignorância: o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, o Mova Regional. Fundado em 1995, em Diadema, foi abraçado pela Câmara Regional do Grande ABC. Neste período, incluindo os matriculados hoje, 45 mil cidadãos freqüentaram suas salas de aula, hoje em torno de 500, espalhadas por Santo André, São Bernardo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A importância do Mova, no entanto, vai muito além da perspectiva de, em breve, extinguir o analfabetismo na região.

A reunião promovida pela Ford é um exemplo eloqüente deste potencial. Nós sabemos que o sucesso de qualquer projeto de recuperação econômica da região depende antes de tudo da nossa capacidade de construir um processo de cooperação e articulação entre os diferentes atores regionais, administrações públicas, sindicatos, empresas e entidades sociais. Neste sentido, a reunião da Ford foi um marco histórico para o ABC. Um marco que, acredito, vai significar não só novo fôlego para o Mova como também para todas as articulações regionais.

Estavam presentes 30 empresas da região, entre fornecedores, distribuidores Ford e prestadores de serviço, como Dana Nakata, Unibanco, Bradesco, Pirelli, Henkel, Sachs, Sandrecar, Mangels, Otis, Mahle Metal Leve, Cofap entre outras. Antonio Maciel Neto, presidente da Ford chamou-as a sua responsabilidade social e convidou-as a se integrarem ao Mova. Todas se comprometeram em ampliar o apoio empresarial ao Mova, a exemplo da Ford que mantém 50 salas de aula em funcionamento.

As contribuições podem ser feitas na forma de patrocínio, cessão de espaço ou construção de salas para o funcionamento das aulas, fornecimento de ajuda de custo para os educadores (são todos voluntários) e manutenção das salas, doação de material escolar ou permanente e também colaboração para a realização de matrícula dos alunos e divulgação do movimento. Na última sexta-feira, o Mova realizou a abertura de seu 3º Seminário Regional. Ele será realizado em etapas prosseguindo até meados de novembro.

Mas a complexidade dos problemas econômicos e sociais da região – assim como de todo o mundo – exige muito mais que acabar com o analfabetismo. Os países, as metrópoles e as comunidades que têm se organizado para tentar enfrentar estes problemas sabem que a chave do sucesso está na capacidade de cada comunidade encontrar um novo patamar de articulação entre seus atores.

Parece fácil construir esta unidade. Mas não é. E a reunião da Ford mostrou que o ABC está conseguindo, com muito esforço e persistência, e apesar de muito ceticismo, construir elementos centrais de uma política que se transformará em vantagens competitivas com profundos reflexos sobre a realidade regional.

Luiz Marinho é Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, presidente de honra da Unis