“Somos frutos da luta histórica de vocês”

Debate sobre os 40 anos da quarta e última intervenção no Sindicato aconteceu no último sábado, dia 29 de julho, na Sede

Foto: Adonis Guerra

“No dia que aconteceu a quarta intervenção no Sindicato, nós estávamos em assembleia no terceiro andar da Sede com casa lotada. A Polícia Federal entrou e foi direto à sala da Presidência. Mandaram me chamar, mas eu disse que só os encontraria após atender os trabalhadores. A assembleia terminou, eu desci, cheguei na sala e falaram: ‘assina aqui a intervenção’. Eu disse: ‘não vou assinar porra nenhuma’. Se tem uma coisa que eu acredito nessa cassação foi que este prédio na rua João Basso é só um prédio. O Sindicato são os trabalhadores nas fábricas”.

Foto: Adonis Guerra

O relato do ex-presidente da entidade, Jair Meneguelli, durante atividade no último sábado, dia 29, emocionou a todos. O encontro reuniu a Direção de 1983, a atual e a militância no debate sobre os 40 anos da última intervenção militar no Sindicato. “Éramos 24 diretores. Alugamos o salão em frente à Sede, que nem banheiro tinha, e ali nos alojamos onde penduramos a faixa ‘Oi nóis aqui outra veiz’, bem na direção da sala onde ficava o interventor”.

Meneguelli lembrou que dias antes, os Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, hoje ABC, realizavam a primeira etapa do 4º Congresso da categoria em Piracicaba, interior paulista e, no retorno, decidiram passar por Campinas. Nos dias 7 e 8, entraram em greve em solidariedade aos petroleiros. A resposta do governo militar foi, pela quarta vez, intervir no Sindicato, destituir e cassar seus diretores.

“Durante o Congresso soubemos que os petroleiros estavam discutindo uma paralisação em Paulínia e Campinas e decidimos, na volta ao ABC, passar por lá para dar uma palavra de solidariedade como tínhamos imaginado. Como estávamos acompanhados por Lula, logo ele sugeriu como ato de apoio, fazer uma greve junto aos petroleiros. E nós concordamos. Tínhamos naquela época um pouco de consciência, um pouco de coragem e um pouco de loucura e não tínhamos medo de absolutamente nada”, contou Meneguelli.

Engrenagens

Foto: Adonis Guerra

Emocionado, o presidente do Sindicato, Moisés Selerges, reforçou que a direção trabalha com ‘três engrenagens’ como pilares de atuação.

“A primeira é intensificar a proximidade com a nossa base. A segunda é o protagonismo, pois este Sindicato cobra o atual governo federal do mesmo jeito que cobrou os anteriores. E a terceira engrenagem é a mudança geracional”.

Moisés destacou que é preciso conhecer a história da sua base, ter formação política. “É necessário que este Sindicato pense quem estará na entidade lá na frente. A formação é um investimento que o Sindicato fará fortemente. Precisamos que essa luta continue”.

Contribuição

Foto: Adonis Guerra

O secretário-geral dos Metalúrgicos do ABC, Claudionor Vieira, disse que o Sindicato se diferencia pelo poder de organização, capacidade política e ousadia. Também lembrou o papel que o Sindicato teve na luta pela redemocratização do país e na defesa de uma sociedade justa e fraterna.

“Vocês não são simplesmente a Direção que foi cassada há 40 anos, são a história viva dos trabalhadores e trabalhadoras do país. Não foi uma greve por PLR [Participação nos Lucros e Resultados] ou por Planos de Cargos e Salários, por exemplo, foi uma greve que seu deu por solidariedade de classe. Se essa Direção de 1983 não tivesse lutado, certamente não teríamos avançado nas conquistas que temos hoje. Nós somos fruto da luta histórica de vocês”, afirmou.

“Ao fazer uma síntese da história de luta da classe operária brasileira, muitas vezes é preciso olhar para o passado para entender o presente e, a partir desse entendimento, lutarmos para construir um mundo melhor. Precisamos conhecer o que nos fez chegar até aqui para que possamos ir além”.

Luta

O Brasil até 1979 e 1980 tinha vivido uma trajetória de crescimento econômico com pleno emprego. Com a crise da dívida externa ocasionada pelo aumento da taxa de juros imposta de forma unilateral ao país desde 1978 pelos bancos estrangeiros, esse ciclo de crescimento se interrompeu.

O reflexo da recessão em 1981 foi a demissão de dois milhões de trabalhadores em todo o país. Só em São Bernardo e Diadema foram 35 mil metalúrgicos demitidos. Em 1983, a greve dos petroleiros foi o estopim para que outras categorias também se mobilizassem.

Foto: Adonis Guerra

 “Mesmo naquela sala alugada, em frente à Sede tomada pela intervenção, negociamos ainda a Campanha Salarial de 1983 com a vontade de cada um e a ousadia da então Diretoria. Esse pessoal fez com que a categoria chegasse onde chegou. Essa luta foi uma grande missão para todos nós, que enfrentamos sem medo a ditadura militar. E foi a cassação que nos deu condições de colocar o Meneguelli como presidente da CUT”, Osvaldo Bargas, secretário-geral da diretoria cassada em 1983.

Foto: Adonis Guerra

“Foi aqui que aprendi realmente a fazer o sindicalismo de combate ao regime de exceção. A greve de 1983 foi de solidariedade e, pela minha experiência sindical, foi a única que presenciei. Hoje a organização sindical no chão de fábrica continua fundamental pela manutenção de tudo que foi conquistado e às novas gerações que devem seguir o enfrentamento pelos seus direitos”, Antônio Jesus Alencar Ferreira, tesoureiro em 1983 do Sindicato dos Petroleiros de Campinas.

Foto: Adonis Guerra

“Estávamos vivendo em 1983 um período de ditadura militar que calava a classe trabalhadora, calava a imprensa, impedia a democracia e, nesse processo de luta, aconteceu a greve e a intervenção no Sindicato. É importante fazer essa reflexão porque precisamos ter mais consciência da nossa prática, de como atuar para fazer as mudanças que queremos à classe trabalhadora”, Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo, diretor do Instituto Lula e tesoureiro da diretoria cassada em 1983.

Foto: Adonis Guerra

“O Sindicato já produziu muita coisa boa, mas teve momentos de dificuldade. Se hoje podemos estar aqui é porque houve um grande esforço, resistência e solidariedade em busca da democracia por um Sindicato forte e atuante. 1983 foi o ano das Diretas Já, o governo era militar desde 1964. O debate é importante para entender o enfrentamento e organização da época, uma vez que as consequências eram mais duras”, diretor executivo dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Carlos da Silva Dias, o Luizão.