´Tecnologia pode formar montadora 100% nacional´, diz presidente do Inmetro
O Brasil fechou 2012 com o recorde de 3,6 milhões de automóveis emplacados, alta de 3% em relação ao ano anterior. Mas uma questão preocupa o governo: o setor exportou apenas 433 mil unidades em 2012, quase a metade do volume importado.
Para fortalecer a indústria automobilística, o governo irá investir R$ 100 milhões na construção de um centro de tecnologia que dará apoio às empresas do setor, incluindo às de autopeças, para que elas elevem a exportação de veículos em 130% até 2017.
O complexo está sendo construído em Xerém (RJ) e será administrado pelo Inmetro. O presidente do instituto, João Jornada, disse em entrevista à Folha que o centro abrirá portas para a criação de uma montadora genuinamente nacional.
Folha – Carros nacionais com alto volume de vendas foram mal em testes recentes de impacto. Isso acelerou a criação desse complexo?
João Jornada – Não teve absolutamente nenhuma influência, o que não quer dizer que desprezamos esses estudos. Uma decisão dessa [de construir um centro tecnológico] não pode ser tomada da noite para o dia. O projeto já vem sendo costurado há cerca de quatro anos pelo Ministério do Desenvolvimento, pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e pelo Inmetro, por sugestão e iniciativa da Anfavea [associação das montadoras].
O Centro de Tecnologia Automotiva tem como principal objetivo incrementar a segurança e a qualidade dos carros produzidos no país, beneficiando o consumidor e permitindo que os automóveis possam ser competitivos no mercado internacional, como foi feito na Coreia do Sul [com a Hyundai e a Kia], que apostou em uma política industrial agressiva voltada para exportação de veículos.
Segundo o Inmetro, as montadoras se comprometeram a elevar a produção ao patamar de 5,6 milhões de automóveis em 2017, sendo 1 milhão para exportação, volume 75% maior do que o atual. Como isso será possível se mercados importantes sofrem retração?
Não cabe ao Inmetro avaliar questões de política macroeconômica. Isso é responsabilidade de outros setores do governo. Nosso viés é técnico-científico e iremos apoiar a indústria nacional para que ela seja mais competitiva. Mas é lógico que temos consciência do cenário internacional e temos estratégias a curto, a médio e a longo prazo. Mas se o Brasil consegue exportar avião, que é um produto altamente tecnológico, por que não consegue exportar automóvel? A Embraer, hoje, é a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo.
Quais serão os principais pontos de atuação desse centro tecnológico e quando ele ficará pronto?
O Inmetro já atende a cadeia produtiva do setor em diferentes áreas, como metrologia científica e industrial, regulamentação e acreditação. O Centro de Tecnologia Automotiva, que também está sendo instalado no complexo em Xerém, terá três pilares de atuação e envolverá serviços, pesquisa, desenvolvimento e inovação.
O primeiro pilar será o laboratório de segurança veicular, para a realização de ensaios de ´crash test´ e homologação de itens de proteção ativa e passiva instalados nos veículos. O segundo será o laboratório de eficiência energética e de emissões. Ele fará ensaios buscando aprimorar o consumo e o nível de emissões de poluentes dos motores. Ambos devem ficar prontos entre o final de 2014 e início de 2015.
O terceiro eixo será o apoio e o desenvolvimento da inovação na indústria de autopeças. Tudo dentro do contexto do Inovar-Auto [programa de incentivo à cadeia produtiva de veículos] e do Plano Brasil Maior de comércio exterior.
Qual o valor do investimento?
Será de R$ 100 milhões. Em princípio, tudo custeado pelo governo, como aconteceu em outros países que decidiram apoiar estrategicamente algum setor potencial de sua economia. A longo prazo, esse investimento deverá ser recompensado pelo favorecimento da balança comercial, por meio de mais dividendos ao país, empregos qualificados e valor agregado aos produtos.
As empresas que se utilizarem dos serviços obviamente vão pagar por eles. Realizando os próprios experimentos aqui, teremos condições de nos antever ainda às necessidades de outros mercados, desenvolvendo produtos já adaptados à realidade deles.
Entre os grandes mercados automotivos, apenas o brasileiro não possui uma marca genuinamente nacional. O conhecimento gerado a partir desse novo complexo tende a mudar esse cenário?
Sem dúvida, pois ficará mais fácil para investidores locais desenvolverem uma linha de carros. Com a criação dos laboratórios, criaremos uma rede de relacionamento com os mais renomados projetistas e cientistas do mundo. Sendo assim, se não tivermos alguém no Brasil especializado para executar alguma tarefa, certamente conseguiremos indicar alguém. Mas é claro que estamos preocupados em melhorar a competitividade de quem já está fabricando carros aqui, independentemente se a empresa é uma multinacional, afinal elas produzem e geram empregos aqui.
O Inmetro tem projetos de desenvolvimento de motores em curso também. Há algum estudo específico para a criação de uma nova geração de motores flex?
Já temos um projeto em curso de um motor flex que prioriza o uso do etanol, pois propulsores bicombustíveis atuais foram, na verdade, concebidos para rodar com gasolina. Temos outro projeto de motor a biodiesel para tratores. Acreditamos que possa ser útil desenvolvermos uma configuração de propulsão específica para cada região.
RAIO-X
JOÃO JORNADA
NASCIMENTO
1949, em São Borja (RS)
CARREIRA
Presidente do Inmetro, professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador nas áreas de física da matéria condensada e ciência
dos materiais
FORMAÇÃO
Doutor em física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pós-doutorado no Nist (National Institute os Standards and Technology), nos Estados Unidos
Da Folha de São Paulo