Temos que salvar 2016
Entrevista do presidente do Sindicato, Rafael Marques, à revista AutoData. Edição outubro/2015
Este ano já era. O máximo que dá para fazer é salvar empregos, garante o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, para quem o importante, agora, é salvar 2016, “pois se repetirmos 2015 será um desastre”. Para evitar catástrofe maior o sindicalista cobra do governo uma posição mais clara sobre o que empresários e trabalhadores devem esperar no curto prazo:
“O governo tem que anunciar medidas específicas para reativar a economia. O ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo. Se ficar discutindo só ele o País não anda. Nesta hora o governo tem que ser criativo, o Estado tem que ser mais eficiente: ajustar suas contas e ao mesmo tempo sinalizar programas novos para o mercado”.
Marques recorda que o Brasil tem um mercado interno grande e que muita gente ainda tem o sonho do consumo, principalmente de ter automóvel novo . Na sua análise a soma da venda de carros novos e usados este ano, superior a 8 milhões, é uma pista importante do potencial interno.
O sindicalista entende que parte da culpa da queda nas vendas de novos é das montadoras, ou seja, do novo perfil de oferta no setor: “O preço do carro de entrada mudou de patamar e forçou a migração de consumidores para os usados. Mas o mercado existe, é mais uma questão sazonal”.
O Sindicato do ABC teve participação ativa no PPE, Programa de Proteção ao Emprego. O que muda agora?
O PPE cabe exatamente no momento que estamos vivendo. Não tínhamos bola de cristal, mas começamos a trabalhar nele em 2012, analisando o que acontecia na época na Alemanha. As próprias empresas com matrizes lá falavam do programa para a gente. E foi exatamente no ano em que as montadoras daqui mandaram bastante remessas para fora. Na Alemanha o programa funcionou bem, evitou demissões.
O PPE não deveria ter saído antes?
Passamos por uma crise em 2009, porém mais fraca do que lá fora. Acabou sendo uma marolinha. Já naquela época, porém, achávamos que era importante ter algum mecanismo que garantisse base legal para as negociações do gênero. Pena que no Brasil é sempre assim: adia-se tudo até o problema ficar bem maior. No ano passado o PPE não andou por causa das eleições presidenciais. Faltou ambiente.
O PPE resolverá os problemas mais emergentes do setor?
Ele é um amortecedor forte a favor do emprego, mas é novo e, por isso, gera incertezas. O fato de ter sido aprovado por medida provisória assusta alguns empresários, provoca algumas dúvidas. É, no entanto, um programa fundamental para momentos de crise e certamente dará conta de um universo importante da base. O importante é evitar que acordos feitos pelos trabalhadores com as empresas acabem sendo suspensos, muitas vezes pela Justiça, como acontecia antes.
Como está sua aceitação no ABC?
Já fizemos acordos com MercedesBenz, Volkswagen e Ford. Na Volkswagen havia acordo de estabilidade até 2019, assinado em aneiro após uma greve. Mas todo acordo tem uma salvaguarda que permite a empresa voltar a negociar dependendo do que acontecer na economia. A Volkswagen tem 2,6 mil funcionários em lay-off, um excesso grande de mão de obra. Em janeiro eles abriram PDV [programa de demissão voluntária] e saíram 790 pessoas. Ou seja: o PPE certamente será importante e, nesse caso, evitará demissões.
Como foi o acordo na Ford?
Lá havíamos feito um acordo em março ajustando a aplicação da inflação até 2017 em troca de estabilidade. Mas como existe a salvaguarda eles alegavam que não viam qualquer possibilidade de reação do mercado, abriram PDV em agosto, quando saíram 130 trabalhadores, e daí decidiram demitir, alegando excedente de 280 funcionários. Romperam o acordo por causa da economia, mas após greve dos empregados optaram pela negociação e fechamos o PPE.
O senhor também está cético quanto à reação da economia?
Acreditávamos que este segundo semestre seria melhor do que o primeiro. E agosto foi pior do que julho. Tudo indica que o mercado continuará fraco. Ninguém tem certeza de nada e por isso não dá para contestar a posição da Ford, por exemplo. Portanto, o melhor caminho lá é o PPE. Com esse programa não há como demitir sem discussão prévia.
Como o senhor vê o mercado automotivo brasileiro?
O Brasil tem um mercado interno muito grande. Se somarmos carros novos e usados são 6 milhões de unidades vendidas no primeiro semestre deste ano. As vendas de usados vinham em queda até 2012, estabilizaram-se em 2013 e depois cresceram. Aí tem uma pista importante. Afinal, foram 6 milhões de veículos comercializados aqui até o fim de junho. Parte da culpa da recessão no segmento de zero quilômetro é da indústria: o valor do carro de entrada mudou de patamar. Isso nos pegou.
Mudou o perfil de oferta?
Exatamente isso. Com a entrada de air bag e ABS em 2014 os carros encareceram. A faixa de preço do carro de entrada mudou, gerando migração para os usados. O mercado interno existe, é mais uma questão sazonal. Uma hora o usado perde força e o novo ganhará novamente. O sonho do consumo está mantido e os carros novos estão cada vez melhores, serão cada vez mais desejados.
O que falta para o mercado retomar?
Falta, por exemplo, crédito. É um ano de dificuldades, com juros altos. As montadoras estão preferindo sacrificar o volume em vez de baixar preço. Temos também problemas com infraestrutura e commodities. As empreiteiras estão paradas, o frete caiu e quem trabalha com commodities está segurando o consumo. Tem transportador com caminhão zero comprado em 2014 parado no pátio. A operação Lava-Jato paralisou as empreiteiras mas em algum momento vai ter que ser feito um acordo. Ninguém quer matar as empreiteiras.
Não seria necessário também incentivo para os caminhoneiros autônomos?
Está aí uma pauta antiga do setor: o programa de renovação de frota. Tínhamos uma proposta nesse sentido e em 2012, na Fenatran, a retiramos para apoiar uma conjunta dos trabalhadores e da indústria. O BNDES fez uma análise e concluiu que a cada cinco caminhões velhos retirados do mercado se venderia um novo. E o governo não perderia em arrecadação. São 260 mil autônomos no País e, deles, cerca de um terço é de potenciais compradores. No primeiro ano haveria fila para comprar.
O que teria de ser feito para melhorar o momento econômico?
O governo está precisando de mobilização social. Temos de cobrar ações para o bem do País. Por isso participamos da manifestação do dia 15 de setembro que reuniu todas as categorias com dissídio neste fim de ano. A ideia foi exigir a adoção de medidas que impeçam um 2016 pior do que 2015.
Como está a base de autopeças?
Para esse segmento 2013 e 2014 foram anos piores por causa da perda de conteúdo local. O câmbio e a rastreabilidade [Inovar-Auto] trouxeram reação nas autopeças e hoje há empresas trabalhando em um turno e meio. Em alguns casos, como a Arteb, em três. A Sogefi, por exemplo, passou a fazer todos os filtros de ar dos carros da General Motors que antes vinham da Polônia.
Como é administrar um sindicato de trabalhadores num período que divide recordes de produção com retração acentuada?
É realmente um período difícil. A previsão era de 5 milhões de veículos, vieram catorze novas fábricas para o País . O ambiente de reversão veio em 2014, mas este ano está demais. Temos um trabalho que se adapta na crise e na fartura. Em períodos como o atual, por exemplo, o absenteísmo cai. Os trabalhadores sabem que o sindicato, em momentos de crise, tem de ser uma ponte mais voltada para o emprego. O momento hoje é de proteção do emprego.
O sindicato tem ações conjuntas com o governo?
Estamos cobrando do governo medidas específicas para retomar a economia. Queremos que a presidente Dilma [Roussef] diga se haverá acordo com as empreiteiras ou não, diga como ficarão as taxas de juros se a inflação cair… Enfim, que diga publicamente para o mercado o que vai acontecer. Para quem é o remédio amargo? Quem vai pagar? O trabalhador já está com sabor amargo na boca. Os bancos estão segurando o crédito e o consumidor está com medo. Para onde vai o Brasil? O governo precisa responder.
O senhor acredita em retomada em 2016?
A ideia nossa ao cobrar uma posição do governo é justamente salvar 2016. Este ano o que dá para fazer é salvar os empregos via PPE. Onde não for possível adotar o PPE partimos para PPEs próprios, que se enquadrem à realidade da empresa. Mas temos de salvar 2016. O ano que vem não pode ser igual a este, pois só PPE não o sustenta. Se repetir 2015 será um desastre. Para salvar 2016 tem que injetar algum investimento sobre 2015. Se tiver um movimento neste sentido neste último trimestre o empresariado pode sair da paralisia em que está.
Como o senhor vê o ajuste fiscal em debate no momento?
O ajuste fiscal é importante mas não se pode pensar só nisso. O ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo. Se ficar discutindo só ele o País não anda. Nesta hora o governo tem de ser criativo. O Estado tem de ser mais eficiente, tem de ajustar suas contas e sinalizar com programas novos para o mercado.
Qual o balanço do PPE na região?
Já fechamos um com empresa de máquinas, um na área de aço, dois em autopeças , além daqueles com Mercedes-Benz, Volkwagen e Ford, o que em termos numéricos significará metade da base. Só as três montadoras empregam 26 mil trabalhadores.
No caso da Mercedes-Benz os trabalhadores rejeitaram acordo proposto pela empresa e depois do PPE aceitaram os mesmos termos de antes. Por quê?
Há diferenças. No que foi assinado tem abono de metade da inflação e o período de redução de salários baixou de doze para nove meses.
O trabalhador ainda procura o sindicato?
Tem muito gente sem a memória de nossa luta do passado, mas os mais velhos incentivam a sindicalização internamente nas empresas. O destaque na greve da Volkswagen foram extamente os jovens. E na comemoração que fizemos aqui no sindicato só tinha garoto.
Quantos trabalhadores a base do ABC perdeu?
O saldo negativo é de cerca de 5 mil pessoas. Hoje somos 87 mil trabalhadores. É lógico que é ruim reduzir a base.
O desemprego afetou a todos da mesma forma?
Quase metade dos que perderam o emprego está aposentada ou em vias de se aposentar. No caso dos que saíram de montadoras via PDV muito partiram para alguma atividade própria. O problema maior são os jovens. Não temos programas para eles. No geral o nível do trabalhador melhorou muito. Todos têm nível médio, ensino técnico e muitos são universitários.
Que recado o senhor daria para empresas e trabalhadores neste momento difícil?
O principal recado neste momento é buscar em conjunto alternativas que evitem o desemprego. Nossa proposta, na verdade, é a livre negociação. Uma categoria forte, com um sindicato forte, tem condições de negociar livremente e de chegar a um acordo. Só que esse acordo precisa de reconhecimento jurídico. Temos de valorizar a relação de trabalho e a livre negociação.