“Temos que seguir atentos e mobilizados até reverter essa reforma”

Negociações e organização evitaram ataques da reforma Trabalhista na base, mas contratos precários são realidade no país

Foto: Adonis Guerra/SMABC

“A reforma começou a atingir as categorias menos organizadas, o risco é virar algo comum até chegar com força aqui”
Aroaldo Oliveira da Silva

Na semana em que a reforma Trabalhista completa três anos de vigência no país, a Tribuna trata dos principais temas para a classe trabalhadora e da importância de ter um sindicato forte e organizado para combater os ataques aos direitos e à organização dos trabalhadores desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016. 

Sob falsas promessas de geração de milhões de empregos, como tratou o Editorial na edição de ontem, o resultado é que o Brasil vive hoje um cenário ainda pior de crise econômica, política, de ameaças à democracia e ausência de uma política industrial. Somado à pandemia da Covid-19, há recordes de desemprego, que chegou a cerca de 14 milhões, aumento da informalidade, precarização nos contratos de trabalho e diminuição da renda no país.

“A reforma Trabalhista não chegou de forma expressiva aqui nesses três anos porque temos organização e respaldo da base. Isso é fundamental para barrar as tentativas de retirada de direitos que estamos sofrendo”, destacou o diretor executivo do Sindicato, Aroaldo Oliveira da Silva.

“Temos combatido fortemente essa reforma, que foi feita para atender exclusivamente aos interesses dos patrões. Ela liberou uma série de contratos precários, de jornadas extensas e redução de direitos. Também só interessa aos patrões o enfraquecimento dos sindicatos e a negociação individual com o trabalhador, para fazer o que quiserem. Desde 2017, temos feito a resistência e conquistamos negociações coletivas para barrar os efeitos da reforma na base”, lembrou.

Foto: Adonis Guerra

Na própria Campanha Salarial de 2017, houve a conquista de Convenções Coletivas de Trabalho com uma ‘vacina’ contra a reforma Trabalhista e a terceirização irrestrita nas negociações da FEM/CUT (Federação Estadual dos Metalúrgicos da CUT). Nos grupos patronais que não fecharam Convenção, o Sindicato negociou por empresa, com a vinda de representantes das fábricas para assinar os acordos na Sede.

A reforma libera o negociado sobre o legislado, ou seja, a negociação vale mais do que a lei. O Sindicato apoia as negociações, desde que sejam para melhorar as condições de trabalho.

“Mesmo assim, temos que seguir atentos e mobilizados até reverter essa reforma. Há um massacre nos direitos e nas condições de trabalho no Brasil. A reforma começou a atingir as categorias menos organizadas, o risco é virar algo comum até chegar com força aqui. Por mais que tenhamos conseguido barrar a reforma, já estão aparecendo os primeiros casos na base. A nossa luta tem que estar fortalecida para evitar qualquer retrocesso”, afirmou Aroaldo.

MEDIDA CRIA CARDÁPIO DE CONTRATOS PRECÁRIOS

A reforma Trabalhista trouxe um cardápio de contratos precários no país e ampliou a flexibilização da jornada de trabalho.

Levantamento feito pela Subseção Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) dos Metalúrgicos do ABC mostra que a reforma Trabalhista já impacta negativamente no mercado de trabalho.

Foto: Adonis Guerra

Trabalho intermitente

No contrato intermitente, conhecido como ‘zero hora’, o trabalhador fica à disposição da empresa e só recebe quando for convocado, sem ter renda mensal nem jornada mínima definidas. Foi a oficialização do “bico” como opção de trabalho formal, com precarização de trabalho e de vida.

A justificativa do governo para esse tipo de contratação era que levaria as empresas a assinar a carteira dos trabalhadores. Mas isso não aconteceu.

A reforma Trabalhista atingiu primeiro os trabalhadores em condições de vulnerabilidade, com salários mais baixos e que já eram afetados pela alta rotatividade. As contratações de até 12h semanais deixam o trabalhador com insegurança na jornada e instabilidade de renda. Ou vai comer ou vai pagar aluguel, não tem a possibilidade de organizar a sua vida familiar. Isso já é realidade hoje no país. Querem atacar os sindicatos para fazer esse tipo de contrato”, explicou o diretor executivo, Aroaldo Oliveira da Silva.

Entre 2017 e setembro de 2020, um total de 1.476.187 trabalhadores iniciaram suas atividades profissionais por meio de contratações intermitentes no Brasil. Somente em 2019, ocorreram 632,9 mil nessa modalidade, ou seja, de todas as contratações com carteira assinada realizadas no país, 4% são de postos de trabalho intermitentes. Ao fim de 2019, 45,4% do total eram de jornadas até 12h semanais. 

Em 2019, as ocupações que mais tiveram contratos intermitentes foram vendedores, trabalhadores em construção civil, escriturários, administração e conservação de edifícios, hotelaria e alimentação, condutores de veículos, serviços de proteção e segurança, entre outras.

Na base, 89 trabalhadores tinham contratos nessa modalidade em dezembro de 2019, 0,1% do total, sendo que 61% estavam em postos de manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos.

Contrato parcial

Ampliou a jornada de trabalho parcial de 25h para 30h semanais. Em contratos de até 26h semanais é permitida até 6h extras. A jornada parcial é só 27% menor do que a jornada integral, o que torna mais atrativo para a empresa substituir trabalhadores em tempo integral por tempo parcial e precarizar o trabalho.

A estimativa de contratos parciais no Brasil é de 404,3 mil pessoas (setembro 2020). Os trabalhadores com contratos parciais passaram de 4% em 2017 para 13% em 2019 na indústria de transformação. No comércio, de 14% para 19%. Na construção civil, de 1,3% para 2,2% do total. Os dados desagregados por setor se limitam a dezembro de 2019.

Desse total, 12% dos trabalhadores cumprem jornadas de até 15h na semana; 23% de 16h a 20h; 40% de 21h a 30h.

Jornada 12×36

Permite a jornada de 12h diárias seguidas por 36h de descanso por acordo individual. Não tem direito a descanso ou alimentação no meio da jornada, o que aumenta o risco de acidentes de trabalho.

Terceirização irrestrita

A reforma liberou a terceirização na atividade-fim, que é aquela ligada ao negócio principal da empresa. Por exemplo, em uma montadora, a atividade-fim é a produção de veículos. Limpeza e segurança são atividades-meio, de apoio.

Segundo pesquisa do Dieese, os salários dos terceirizados são, em média, 25% mais baixos que os dos contratados diretos. A carga semanal é superior em três horas, em média, e a rotatividade é alta.

CONFIRA MAIS PONTOS DA REFORMA:

Demissão por acordo com trabalhador

A nova legislação permitiu que haja acordo de desligamento entre trabalhador e empregador. O principal problema é que nesses casos o trabalhador vai ser chamado para abrir mão de algum direito, de parte da multa e do FGTS, nunca para receber mais.

De acordo com a Subseção Dieese no Sindicato, a modalidade tem sido utilizada e já representa 1,2% do total dos desligamentos. Entre 2017 e setembro de 2020 foram 524,3 mil desligamentos no país. O ano de 2019 foi responsável por 56% desse total.

Na base do Sindicato, foram 183 desligamentos nessa modalidade em 2019.

Homologação

A reforma liberou a rescisão de contrato sem o acompanhamento do sindicato. O trabalhador fica à mercê da empresa e não tem a garantia de que todos os seus direitos são garantidos.

Ultratividade

Derruba a garantia de que o acordo coletivo permaneça em vigor até que haja um novo acordo. Isso significa que, acabando o prazo determinado no acordo, as garantias dos trabalhadores estão suspensas.

Justiça injusta

Um dos impactos da reforma foi a queda no número de ações trabalhistas. Isso porque, se perder a ação, o trabalhador tem que pagar os honorários e as custas processuais da parte vencedora. O acesso à justiça gratuita ficou mais difícil. Também houve limitação no valor da indenização por dano moral. Entre 2017 e 2018, o volume de processos abertos caiu 34%, segundo os dados do Tribunal Superior do Trabalho.

Rendimentos

A renda média do trabalhador com carteira assinada no Brasil caiu 6,4% entre dezembro de 2017 e dezembro de 2019, de R$ 3.080 para R$ 2.882, de acordo com levantamento da Subseção Dieese.