Trabalhador não consegue se desligar nem no tempo livre


Pesquisa da cientista social Ana Cláudia Moreira Cardoso, feita com os companheiros na Volks, em São Bernardo, concluiu que as novas formas de organização da produção fazem com que o trabalhador não consiga relaxar nem fora do emprego.

“Quando o trabalhador sai da fábrica ele continua a pensar no trabalho por medo de perder o emprego. Fica pensando o que pode fazer para melhorar o desempenho dele”, afirma ela.

Leia abaixo a entrevista de Ana Cláudia para a Tribuna.

Quais suas motivações para fazer a pesquisa?
Desde a criação do banco de horas, o Dieese retomou a discussão sobre o tempo e a jornada de trabalho. Outra motivação foi pessoal, pois o tempo é algo que a gente vivencia tanto, mas reflete muito pouco sobre ele.

A reorganização produtiva não beneficiou o trabalhador?
O discurso da inovação tecnológica e organizacional era o de liberar o trabalhador do tempo do trabalho. Não foi isso o que aconteceu. A inovação intensificou o trabalho e, por outro lado, aumentou o desemprego.

Como os trabalhadores reagem a isso?
Os trabalhadores da linha reclamam da polivalência ou multitarefa, em que ele é sempre colocado numa função em alto ritmo de produção. Mesmo quando a produção baixa, ele não tem período de calmaria, já que as empresas têm sempre menos trabalhadores que o necessário. Com o just in time, houve uma redução da porosidade do tempo. O trabalhador não precisa esperar nada, está tudo ali, e ele não tem tempo para respirar. Isso numa empresa em que o Sindicato está presente e é super atento. Imagine nas empresas que não têm um sindicato presente!

E para o trabalhador fora da linha?
Acontece o mesmo. Os trabalhadores na ferramentaria, por exemplo, reclamam que têm de fazer todas as funções do setor.

E as mulheres?
As mulheres, na produção ou não, perderam o tempo de ir ao banheiro e começaram a criar o hábito de fazer o mesmo nos finais de semana. Com isso, passaram a ter problemas de saúde. O capital quer que o trabalhador seja produtivo nas 40 horas semanais, na jornada inteira.

Os aposentados não sabem o que fazer com o tempo livre, pois passaram a vida toda sem isso.

Quais as consequências da intensificação do trabalho?
Um processo de adoecimento, com gastrite, insônia, pressão alta, depressão. E quando o trabalhador sai da fábrica ele continua a pensar no trabalho por medo de perder o emprego. Fica pensando o que pode fazer para melhorar o desempenho dele. Por isso mesmo, no seu tempo livre, ele vai se qualificar.

E nas férias?
A maioria não consegue tirar férias no tempo em que querem. Cada vez mais o trabalhador tem dificuldade de tirar o tempo livre para ficar com a família.

Como é a jornada brasileira?
Temos uma das maiores jornadas do mundo, e é aqui que se pode fazer o maior número de horas extras. Além disso, o trabalhador gasta um tempo absurdo no transporte e ainda precisa estudar.

E quando o trabalhador se aposenta?
Os aposentados não sabem o que fazer com o tempo livre, pois passaram a vida toda sem isso. Eles ficam perdidos.

A maioria dos que trabalham diz que seu projeto é se aposentar, mas para daqui a 10, 15 anos. Na verdade, eles não têm projeto de futuro. O tempo de trabalho, quando é muito grande, toma o tempo todo que o trabalhador não consegue pensar coisa diferente. Ele não tem a perspectiva de fazer algo diferente. Não sabe o que fazer.

E a redução da jornada para 40 horas?
A campanha pela redução da jornada será eterna. As inovações tecnológicas e organizacionais vão continuar e cada vez mais vamos precisar de menos trabalhadores para produzir mais com menos tempo.