Trabalhadores da Sabesp denunciam cortes de água noturnos em São Paulo
Falta de água faz a população guardar água de todas as maneiras possíveis para garantir banhos e alimentação
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), Rene Vicente dos Santos, afirmou nesta quarta-feira (12) que os trabalhadores da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) estão denunciando que a companhia realiza cortes no fornecimento de água em diversas regiões da cidade, todas as noites.
“Não é redução de pressão. Os trabalhadores são mandados para ´manobrar´ o sistema, ou seja, fechar a água em determinadas regiões, mas têm medo de falar e ser demitidos”, disse Santos.
A declaração foi feita na Câmara Municipal, onde o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que avalia a prestação do serviço da Sabesp ao município de São Paulo, vereador Laércio Benko (PHS), disse que vai propor uma audiência com o sindicato no legislativo paulistano para apurar a informação. “É uma denúncia gravíssima. Mais uma vez estamos diante de um desmentido sobre as atitudes da Sabesp”, afirmou.
De acordo com Santos, pouco depois de ser criado o “bônus” – desconto de 30% no valor da conta para quem economizar 20% sobre a média de consumo em 12 meses, iniciado em fevereiro –, o corte passou a ser feito. Os trabalhadores levaram faixas e fizeram um protesto silencioso durante a CPI, exigindo que a Sabesp seja clara com a população sobre a crise.
Por meio de nota, a Sabesp negou a denúncia de Santos. “Não é verdade que a Sabesp esteja orientando o fechamento das redes de distribuição, nem que esteja colocando a medida em prática”, informou a companhia.
Ainda segundo o presidente do Sintaema, os trabalhadores têm sofrido ameaças em alguns bairros onde circulam. A população tem exigido dos servidores da Sabesp que resolvam o problema da falta de água. “A situação está fora de controle e os trabalhadores não têm culpa. Cabe à companhia vir a público e admitir a prática de racionamento noturno. Aliás, devia era apresentar um plano de contingência, porque não tem saída”, afirmou Santos.
Ainda não há data para o depoimento dos trabalhadores, que devem fazê-lo por escrito, por temerem represálias.
Mais do mesmo
Em depoimento à CPI, o secretário estadual de Recursos Hídricos, Mauro Arce, voltou a negar a prática de racionamento. Ele alega que a redução de pressão noturna, usada desde 2007 para reduzir a perda de água por conta das fissuras nos encanamentos, é a responsável pelo fato de a água não chegar em alguns bairros. “Se a pessoa mora em um lugar mais alto a água pode não chegar. Mas você pode ver que, na mesma rua, falta em uma casa e na outra não”, afirmou.
Porém, ao ser questionado sobre o porquê de as pessoas reclamarem somente agora de falta de água, e não nos anos anteriores, Arce voltou a insinuar que as pessoas querem atenção. “Provavelmente, sempre teve algum problema de falta de água. Mas agora as pessoas têm mais interesse em falar nisso”, disse.
O secretário voltou a culpar a população pela falta de reservatórios adequados. “As pessoas devem ter capacidade de armazenamento de água para ficar até 24 horas sem receber água, em virtude de reparos no sistema, por exemplo. Mas tem muita gente que nem caixa de água tem. Mas eu não posso me recusar a ligar água”, afirmou Arce.
Ele foi amparado pelos vereadores Mário Covas Neto (PSDB) e Paulo Frange (PTB), membros da CPI, que aventaram a criação de uma legislação que impeça a emissão do certificado Habite-se – que libera a ocupação de imóveis na cidade – para quem não tiver uma caixa de água em tamanho suficiente para abastecer o número de pessoas que ali vão viver.
O secretário, embora titular da pasta responsável por gerir os recursos hídricos no estado, disse não ter como apresentar um planejamento de cenário para 30 abril de 2015. A data foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em Piracicaba, estabelecendo que até lá, todas as medidas tomadas no Sistema Cantareira – que abastece hoje 8,5 milhões de pessoas nas regiões norte, leste e central da capital paulista e região metropolitana de São Paulo – tenham como meta garantir um volume útil de 10% da capacidade do reservatório, descontado o nível do volume morto em uso.
“É difícil estabelecer alguma coisa, porque nossa matéria-prima não depende da nossa vontade”, disse, Arce, referindo-se à falta de regularidade das chuvas.
O secretário buscou enfatizar as obras que estão sendo realizadas para aumentar a capacidade de tratamento de água nos reservatórios Rio Grande (Billings) e Guarapiranga, o tratamento de água de reuso para ser depositado no Guarapiranga e no Alto Cotia, para posterior processamento e a retirada de 5,6 metros cúbicos por segundo (m³/s – cada metro cúbico equivale a mil litros) de água do rio Paraíba do Sul, que abastece o Rio de Janeiro.
No entanto, para essa obra, ainda é preciso aguardar o julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), do governo fluminense, que questiona a transposição sob risco de desabastecimento do estado. Além disso, a própria obra não seria um processo rápido, podendo levar até 18 meses para ser concluída.
“Hoje correm 170 m³/s para lá. Desses, 45 m³/s são usados no abastecimento de cidades cariocas. Os demais correm para o mar. Nós queremos somente 5,6 m³/s”, disse Arce, minimizando os riscos.
Para o vereador Nabil Bonduki (PT), membro da comissão, os depoimentos demonstram mais uma vez que a Sabesp e o governo paulista não querem ser transparentes com a população. “Eles não responderam as questões apresentadas. Não apresentam metas, planejamento. A crise é muito grave, mas parece que não”, afirmou.
Qualidade da água
O presidente da CPI apresentou uma reportagem da TV Globo em que a população reclama da coloração amarelada que a água sai das torneiras, após o período de corte no fornecimento. “O senhor teria coragem de beber esta água?”, perguntou Benko ao superintendente da Sabesp, Marcelo Xavier Veiga.
Para surpresa do vereador, Veiga disse que “recebendo essa água como cidadão desinformado, eu não beberia”. E completou dizendo que a companhia realizou análises na água turva, de acordo com portaria do Ministério da Saúde para portabilidade, e concluiu que ela pode ser bebida sem preocupação. Benko arrematou: “O senhor é um otimista”.
Contradizendo estudos da Universidade de Campinas (Unicamp) e até um relatório da Sabesp enviado aos seus acionistas em Nova York, citados na ação do MPF, o superintendente disse que a seca não era prevista. “A estiagem atual não era esperada. Ela é atípica e não tem nenhum registro histórico. Foi impossível de se prever”, afirmou.
Na saída, Veiga evitou a imprensa. A empresa só se pronuncia por notas.
Da Rede Brasil Atual