Trabalhadores reféns em obras bilionárias da Amazônia
A hidrelétrica de Belo Monte, em construção, fica a cerca de 70 km da cidade de Altamira
Mortes no Maranhão, trabalhadores forçados por soldados da Força Nacional a permanecer em canteiro de obras em Belo Monte. Acusados de violar direitos trabalhistas, megaempreendimentos recebem financiamento do BNDES
“Nós fomos se alojar no meio da Amazônia, sem parente, sem transporte. Sem nada. O transporte que nós tínhamos era da empresa. Mas quando há uma greve, eles fechavam logo o transporte. Ninguém entrava, ninguém saía na portaria. Se saísse, era tomado o crachá, como aconteceu com a gente, e era mandado embora”, diz Adailson Silva, ex-apontador na obra de Belo Monte.
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A hidrelétrica de Belo Monte, em construção, fica a cerca de 70 km da cidade de Altamira, no município Vitória do Xingu, no estado do Pará. O canteiro da obra pública mais cara e controversa do Brasil é formado por quatro sítios, Belo Monte, Canais e Diques, Pimental e Bela Vista. Ali, formam-se quase cidades paralelas, com transporte e alimentação fornecidos pelo Consórcio Construtor Belo Monte e comércio dentro dos canteiros.
São 20 mil trabalhadores (dados de setembro de 2013 do Consórcio Norte Energia) na construção de Belo Monte oriundas de lugares mais próximos como Belém, e de muito longe, do Rio de Janeiro, de São Paulo, e até do Haiti. Em turnos, as equipes trabalham 24 horas por dia, para acelerar a conclusão da obra, com descanso apenas no domingo.
Pessoas que vivem dentro da obra, nos alojamentos, e que passam meses longe de suas famílias até que recebam a permissão de visitá-las (segundo Adailson Silva, trabalhador entrevistado para esta reportagem, a empresa só cumpre o acordo de três meses mínimos para a visita se os trabalhadores o exigem com contratos em mãos).
Os frequentes protestos – de ativistas, de comunidades indígenas, ribeirinhas e greves dos próprios trabalhadores – criam uma rotina extenuante emocional e psicologicamente, que se soma ao estresse físico do trabalho.
Foi por isso que no dia 6 de abril desse ano, depois de sucessivos conflitos, quando mais uma manifestação eclodiu no sítio de Pimental, Adailson Silva, de 32 anos, queria fugir. Ele havia deixado sua cidade, Belém, a família e a ocupação de cabelereiro na promessa de um “trabalho bom e de você ter direitos”. Nunca havia trabalhado em obras do porte de Belo Monte. Cadastrou-se em Belém mesmo, onde a empresa fazia o recrutamento.
A comunicação nessas situações de conflito, como relata Adailson, era mais um agravante. “Quando tem alguma ação ali dentro, alguma coisa assim complicada, como uma greve de índio, de funcionários, cortam o sinal [ do celular ] de todo mundo”, denuncia. “Eles [ o consórcio ] fazem isso pras pessoas não se manifestarem. Não tem explicação. Aí veja: [ a empresa ] não se manifesta pra dar um refúgio, pra defender alguém, dar uma sugestão, uma opinião, nada. Não aparece pra nada. Você fica por conta de manifestantes, por conta de índios, você fica à mercê. Eles proíbem que as pessoas saiam dali porque o transporte de que nós dependemos é da empresa”, denuncia. De acordo com o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), a situação se dá pelo fato da obra estar instalada em “área remota da Amazônia”. “Podemos assegurar que a interrupção dos serviços, em 100% das ocorrências, é motivada única e exclusivamente por aspectos técnicos”, pronuncia a empresa.
No dia 6 de abril, à uma hora da manhã, prestes a completar seis meses de trabalho em Belo Monte, Adailson foi coagido a fazer parte de uma caminhada organizada por grevistas do sítio onde estavam, Pimental, até o próximo, Canais e Diques. O objetivo era chamar os trabalhadores do outro sítio a participarem da greve. “Eles [ grevistas ] chegaram lá dizendo que quem não fosse, eles iam tocar fogo nos alojamentos. Que quem não fosse, quando eles voltassem, eles falavam assim bem claro: ‘vocês vão entrar na porrada’. Como que não vai?”, conta com o jeito e o sotaque marcados do nortista paraense.
“Eu e alguns companheiros pegamos alguns aparelhos de roupa e caminhamos junto com eles. Por que? Pra gente poder passar onde estava interditado e pegar um ônibus lá na frente e ir pra cidade onde já tinha gente da primeira greve. A gente sabia que nada bem ali ia ocorrer, entendeu? Nós procuramos pegar refúgio”.
Depois de cinco horas de caminhada em direção ao sítio de Canais e Diques, com fome e sede, Adailson e seus companheiros só queriam voltar. Foi quando a Força Nacional de Segurança Pública, do governo federal, presente desde março em Belo Monte e alojada na obra, parou os trabalhadores que estavam dentro de um ônibus da empresa que vinha de Altamira em direção ao canteiro de Pimental.
Força Nacional atua como segurança de consórcio de Belo Monte
No meio da estrada, a Força Nacional bloqueou a passagem do ônibus e obrigou os trabalhadores a descer. “Aí tirou fotografia nossas, fotografou todo mundo. E tomou o crachá. Da feita que eles põem o crachá no saco, pronto, nós estamos na rua, entendeu? Não queriam deixar a gente ir buscar nem nossos pertences na obra. E tinha pessoas que estavam vindo do médico, no mesmo ônibus, porque o único transporte que tem é o transporte da empresa”, fala.
Segundo o CCBM “contratações e desligamentos ocorrem diariamente, em virtude do grande volume de funcionários. Mas não houve, em nenhuma situação, o desligamento motivado simplesmente pela saída de funcionários de qualquer um dos canteiros de obras do CCBM”.
“Tiveram pessoas que correram, que conseguiram fugir, precisando do emprego, é claro, mas foram poucas pessoas. Eu não tinha como correr, eles [ Força Nacional ] estavam armados. Inclusive deram tiro atrás dos que correram para não dar o crachá”, explicou Adailson.
A Força Nacional, criada em 2004, é subordinada ao Ministério da Justiça, que em março deste ano autorizou sua presença no canteiro de obras para prevenir a invasão de manifestantes. Como afirma o próprio Consórcio, em resposta à Pública, por e-mail. “O que motivou a decisão ministerial foi a sequência de ações violentas promovidas por: 1) Instituições sindicais alheias aos funcionários do CCBM; 2) ONGs; 3) Indígenas. Desde 2011, diferentes grupos promoveram dezenas de atos de vandalismo contra bens móveis e imóveis sob responsabilidade do CCBM. Não raramente, essas ações põem em risco a segurança dos nossos funcionários – o que é prioridade número 1 para o Consórcio Construtor Belo Monte”.
Em julho deste ano, a autorização foi prorrogada até janeiro de 2014. Em fevereiro, segundo o movimento Xingu Vivo para Sempre o Consórcio Construtor Belo Monte havia infiltrado um ex-funcionário no movimento, que primeiro havia sido readmitido com a proposta de detectar lideranças operárias que poderiam organizar greves dentro dos canteiros.
Até o fechamento desta reportagem, o Ministério da Justiça não se pronunciou sobre o fato da Força Nacional ser usada para coagir manifestações de trabalhadores na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.
Em razão da demissão sem justa causa, de danos morais causados pelo uso da Força Nacional e outros descumprimentos legais – como desvio de função e horas extras Adailson e mais sete trabalhadores acionaram a Justiça do Trabalho do Pará contra o Consórcio Construtor Belo Monte. Das oito reclamações trabalhistas, seis já foram julgadas em primeira instância e três ganharam a causa de danos morais. Todas foram exitosas em relação aos pedidos de horas extras.
“Quando teve pessoas que reivindicaram, que reclamaram alguma coisa contra isso, contra a Força Nacional, contra a segurança, da gente, que nós não estávamos recebendo nada, que estávamos longe de parente, longe de casa, longe de tudo, que nós estávamos à mercê… Numa hora dessa a empresa vira as costas. Estou lhe falando”, diz Adailson ainda com revolta na voz. “Mas se hoje saem 300, amanhã chegam 400. Para eles isso é normal”.
Da Rede Brasil Atual