Trabalho|A rapadura é doce mas…

O trabalhador deve estar preparado para enfrentar desafios e ter planos de ascensão. Mas os direitos hoje considerados normais na sua vida foram alcançados coletivamente, e muita gente ralou muito para isso
Por Camila Campanerut e Vitor Nuzzi

    Muito suor
Fim de semana remunerado, 13º, redução da jornada. Poucos sabem que foram com greves e manifestações que se conquistaram esses direitos. Os reajustes salariais são a parte mais visível

O sol a pino de 1 hora da tarde deixava só um pedaço
de sombra para o ajudante geral Daniel Araújo, de 23 anos, descansar em
frente ao portão da indústria química onde trabalha, há dois meses, em
São Bernardo, ABC paulista. Daniel bate papo com os colegas em frente
ao portão durante pelo menos um quarto de sua hora de almoço. Sua
jornada diária é de 7 horas e 48 minutos, cinco vezes por semana.
Recebe vale-refeição, vale-transporte, 13º salário e participação nos
lucros no final do ano.

Casado e
pai de duas filhas, ele se diz satisfeito por trabalhar numa grande
empresa, com carteira assinada. Mas fica um pouco sem jeito por não se
dar conta de que, entre os direitos garantidos em seu contrato de
trabalho, parte deles está na Constituição e foi conseguida após
décadas de batalha do movimento sindical; outra parte, com avanços em
relação à lei, integra o acordo de sua categoria, negociado por seu
sindicato, que existe há quase 60 anos. O operário também não imaginava
quantas lutas, greves, perseguições e discussões foram desencadeadas ao
longo desse período em busca de melhores condições de trabalho. “Nunca
tinha parado para pensar”, admite.

A
jornada semanal é um exemplo disso. A de Daniel está abaixo da prevista
pela Constituição, que é de 44 horas. A redução da carga horária de 48
para 44 horas semanais foi uma conquista dos trabalhadores durante a
Constituinte. Na ocasião, o movimento sindical não conquistou as 40
horas reivindicadas, mas essa redução foi obtida depois, em vários
casos, por meio de negociação coletiva.

Wesley
Barcelos, 23 anos, entrou há pouco mais de um ano em uma montadora em
São Bernardo, como pintor. À noite, cursa o 3º semestre de Engenharia
Automobilística. É solteiro, mora com a família e tem planos de crescer
dentro da empresa. Mas sabe que, coletivamente, a atuação sindical é
importante. “Se não houvesse sindicato, a empresa poderia agir só
pensando no lado dela”, afirma.

Gildete
Menezes, o Gil, chega a se emocionar ao lembrar quando deixou Vitória
(ES) e chegou a São Paulo. Sua experiência profissional em uma
montadora durou quase a idade de Daniel e Wesley. “Tenho sustentado
minha esposa e meus dois filhos. Através do sindicato fiz vários cursos
e, com eles, as empresas mudaram a forma de tratar os funcionários”,
diz o operário, que se aposentou em novembro. “Quando, na minha época,
um funcionário ia imaginar ter PLR, um terço do salário quando sai de
férias, batalhar por recontratação e não-demissão?”, questiona.

Há 100 anos, jornada de 16 horas

Seja na lei, nas convenções ou acordos coletivos, a grande maioria dos
direitos e benefícios alcançados não saiu da cabeça dos governantes nem
dos departamentos de recursos humanos das empresas. A lei do 13º
salário, sancionada em 1962, levou três anos para ser conquistada. A
Lei Orgânica da Previdência Social, de 1960, exigiu sete anos de luta.

No
próximo mês de maio serão completados 100 anos de uma greve pioneira em
São Paulo, que atingiu diversas categorias, pela jornada de oito horas
diárias, movimento que levou um ano para ser organizado depois de ser
discutido no 1º Congresso Operário Brasileiro, em abril de 1906. O d