Trabalho infantil aumenta em todo o mundo. No Brasil, pandemia leva mais crianças a buscarem sustento

Amanhã é o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. No Brasil, onde há muita subnotificação, desafio é enorme

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Um alerta divulgado ontem pelo ONU informa que o número de afetados pelo trabalho infantil no mundo cresceu pela primeira vez em duas décadas. O relatório chega dois dias antes do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, 12 de junho.

O documento também aponta que a pandemia da Covid-19 ainda ameaça milhões de crianças a procurar sustento. Pesquisa conjunta da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) estima que, no início de 2020, 160 milhões de menores foram obrigados a trabalhar, 8,4 milhões a mais que há quatro anos.

Se as projeções de aumento da pobreza no mundo se cumprirem, mais nove milhões de crianças serão forçadas ao trabalho antes do final do ano que vem, segundo o relatório. O estudo, publicado a cada quatro anos, mostra que metade dos menores trabalhadores tem entre 5 e 11 anos.

O coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua, Marco Antônio da Silva Souza, o Markinhus, destacou que 90% das crianças em situação de rua exercem alguma atividade para conseguir dinheiro e que há uma invisibilidade histórica para esse tipo de trabalho urbano.

“Em torno de 90% das crianças que estão na rua exercem alguma atividade para ajudar no orçamento familiar, ou ainda alguns adolescentes que são pais e mães de família. Alguns estão trabalhando nos faróis, ou como autônomos vendendo nos trens, metros e ônibus, carregando sacolas para famílias, em pequenos comércios, na reciclagem. O Brasil tem uma dificuldade histórica em reconhecer que essas crianças e adolescentes se encontram em trabalho infantil”.

A explicação, segundo ele, é que o trabalho infantil está muito mais ligado a atividade na cadeia de produção como em lojas de confecções e carvoarias, por exemplo.

Pandemia

Markinhus também destacou como o contexto da pandemia tem agravado a situação.

“Com a pandemia, acrescenta-se os 14 milhões desempregados que até pouco tempo atrás tinham um mínimo de proteção social e começam a entrar nessa fatia de trabalho precarizado, subempregos, e junto com isso seus filhos também tem que achar formas de ajudar no orçamento da familiar”.

Dados ocultos

A procuradora do MPT (Ministério Público do Trabalho), Elisiane Santos, alertou para a subnotificação e o ocultamento de dados a partir de 2016.

“O último dado de trabalho infantil divulgado no final do ano passado apontava um contingente aproximado de 1,8 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho no Brasil. Lamentavelmente imagine-se que esse quantitativo seja muito maior”.

“Até 2015 tínhamos um levantamento que vinha de uma série histórica, desenvolvido ao longo de três décadas, desde o primeiro programa de erradicação do trabalho infantil. Ao longo dessa política nacional, tivemos uma redução de 9,6 milhões para 2,6 milhões, ainda bastante alto, mas que vinha num movimento de avanço. Em 2016 acontece uma mudança na metodologia do trabalho infantil e esse número simplesmente se reduz para 1,8 milhões, existe aí um ocultamento de dados”, completou.

A procuradora também lembrou que além da subnotificação dos casos, a metodologia de apuração é questionável porque não consegue identificar todas as diferentes formas de trabalho infantil, conforme citou o coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua.

Racismo estrutural

Ainda segundo a procuradora que tem um trabalho de pesquisa detalhado sobre o tema, mais de 90% são meninas no trabalho doméstico e mais de 70% são negras. E quase 80% do trabalho nas ruas são meninos negros.

“Essa naturalização do trabalho infantil, que afeta em maior parte as crianças negras, revela como o racismo se perpetua na sociedade brasileira, reproduzindo violências que têm raízes históricas em quase 400 anos de escravização negra”.

Ainda segundo ela, essas crianças que estão no trabalho infantil normalmente vêm de famílias muito vulneráveis que estão na informalidade, normalmente famílias negras chefiadas por mulheres. “As mulheres negras estão na base da pirâmide social, é a maior categoria de pessoas que está fora do mercado de trabalho e quando está recebem os menores salários”.

 “Nosso grande desafio hoje é retomar essa pauta de forma prioritária num cenário nacional que contemple todos os estados e municípios e que todos cumpram o que está na Constituição Federal. Para isso é preciso que as políticas estejam atendendo as famílias mais vulneráveis e mais agravadas pela pandemia”, afirmou.

Desafio

Segundo ela, é necessário que as crianças voltem a ser prioridade nas políticas públicas.

Denuncie

Ela completou dizendo que fazer denúncia é muito importante: Disque 100 ou site mpt.mp.br. “Além de dar visibilidade, são vidas que estamos salvando”.

Consulte a dissertação de mestrado da procuradora Elisiane Santos: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/31/31131/tde-01032018-123114/pt-br.php

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