Transtornos mentais afetam 27% das crianças que trabalham em semáforos em São Paulo

Punição física severa recebida dentro da própria casa aparece como principal causa do problema

Transtornos mentais, com necessidade de tratamento clínico, afetam 27% das crianças que trabalham nos semáforos paulistanos e 40% têm problemas emocionais ou de aprendizado.

Essas são algumas das conclusões de um estudo feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com a organização não governamental (ONG) Instituto Rukha. A pesquisa avaliou as condições de vida de 126 jovens que passam os dias em cruzamentos e de seus irmãos, totalizando 191 menores.

Entre os jovens entrevistados, 72% relataram sofrer punições físicas severas, assim consideradas de acordo com critérios da Organização das Nações Unidas (ONU). A coordenadora do estudo, Andrea Feijó, descreve esse grau de agressão, como “apanhar com objetos repetidas vezes”, equivalente a surras de cinto ou a castigos semelhantes.

Segundo Andrea, a presença das crianças ganhando dinheiro nas ruas está diretamente relacionada a lares desestruturados. “Trabalhar no farol faz parte do universo de uma família muito desestruturada. Existe alto índice de violência dentro da casa”, ressaltou.

A violência é encarada, destaca a pesquisadora, de maneira pedagógica pelas mães .“Como medida educativa, era frequente que elas batessem nos filhos bastante”, relatou. Os castigos podem, no entanto, ter relação com a taxa de distúrbio que os jovens apresentam.

“A violência é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais”, ressaltou Andrea. O ambiente agressivo dentro de casa, somado à falta de condições financeiras das famílias, acaba impulsionando as crianças para as ruas. Para Andrea, muitas mães concordam com o trabalho nos semáforos, porque “várias delas também foram crianças que trabalharam no farol e isso é um padrão que se repete por meio das gerações”.

A ONG que participou do estudo desenvolve um trabalho que une apoio financeiro a um processo de tutela das famílias, com o objetivo de tentar modificar essa realidade. “É como se o educador fosse uma mãe para cada um dos membros daquela família”, explica a diretora da ONG, Dirce Rosa.

O primeiro passo, com o Projeto Virada, é restabelecer a capacidade das pessoas assistidas pelo trabalho de criar vínculos. Segundo Dirce, são atendidas 200 famílias que vivem em áreas carentes na zona sul da capital paulista e que são “muito negligenciadas”. Essa situação de abandono, dentro e fora do núcleo familiar, acaba sendo, segundo ela, “a maior violência” sofrida pelas crianças .

Os educadores do projeto desenvolvem um trabalho que começa com ações simples, como orientar sobre a higiene das próprias casas. Mais adiante, as famílias recebem informações sobre seus direitos e como conseguir atendimento para serviços como tirar documentos e receber assistência médica.

Além disso, existe um auxílio financeiro, de R$ 350, para compensar a renda perdida quando as crianças deixam de trabalhar nos semáforos. Dirce destaca, entretanto, que o valor é apenas um terço do que o menor poderia conseguir fazendo malabarismos, vendendo balas ou pedindo esmolas. “Usamos esse recurso para cobrir uma necessidade, para que o trabalho possa ser feito e a família conquiste autonomia”.

Todo o atendimento é voltado para que depois de algum tempo a família esteja apta a deixar o projeto e a se cuidar por conta própria. Dirce destaca que o trabalho tem alcançado bons resultados, com melhorias para quase todos os atendidos. Ela reconhece, no entanto, que se trata de um processo caro e de difícil implementação. Mesmo assim, acredita na reprodução de iniciativas semelhantes em outras partes do país.

Da Agência Brasil