Três Tupinambá são assassinados na Bahia em conflito pela posse de terras
Para os tupinambás, as investigações desconsideram os vínculos entre os assassinatos e a luta pela terra
Três indígenas Tupinambá foram assassinados na noite do último dia 8 de novembro, em uma emboscada, no interior da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, sul da Bahia. As vítimas – Aurino Santos Calazans (idade não confirmada), Agenor Monteiro de Souza Junior (30 anos) e Adenilson Vieira dos Santos (36) – foram atacadas a tiros e golpes de facão por quatro homens, que se aproximaram em duas motocicletas. A esposa de Aurino também se encontrava no local do ataque, mas conseguiu escapar. Ela descreveu um ataque brutal – um dos indígenas foi encontrado com a lâmina de um facão enterrada no olho.
De acordo com o cacique Valdenilson Oliveira dos Santos, os indígenas assassinados moravam na fazenda São José, localizada na região conhecida como Mamão, porção sul da TI. Na fazenda, retomada pelos Tupinambá em 22 de junho último, viviam seis famílias indígenas, que se dedicavam principalmente à coleta e comercialização de piaçaba. A emboscada teria sido realizada à beira de uma estrada vicinal, quando os indígenas retornavam à fazenda recuperada, após comprarem mantimentos. Os Tupinambá denunciam que o ataque foi realizado por pistoleiros contratados por um ou mais fazendeiros contrários ao reconhecimento dos direitos territoriais dos indígenas. Ainda segundo eles, as investigações policiais têm sido conduzidas desconsiderando os prováveis vínculos entre os assassinatos e a luta dos indígenas pela terra.
Desde 20 de agosto, por determinação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, agentes da Força Nacional de Segurança encontram-se no território Tupinambá, com o alegado objetivo de frear os conflitos decorrentes da disputa fundiária. Sua presença, contudo, não vem coibindo a violência contra os indígenas. Em 24 de agosto, indígenas que vivem na zona urbana de Buerarema tiveram suas casas e bens pessoais incendiados. Em 3 de setembro, um indígena foi morto a tiros, em uma fazenda que fora retomada havia pouco, localizada na região da Serra das Trempes, também no interior da TI. Na ocasião, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou à PF em Ilhéus a instauração de um inquérito. Transcorridos mais de dois meses do homicídio, a PF ainda não apresentou qualquer informação sobre o avanço das investigações. Além disso, os indígenas denunciam que agentes da Força Nacional de Segurança têm promovido buscas irregulares em moradias localizadas em áreas retomadas – confiscando instrumentos de trabalho, como facões, enxadas e foices – e têm atuado como “polícia privada” de fazendeiros.
Omissão do governo federal
Os recentes acontecimentos são consequência direta da omissão do governo federal. Há um ano e seis meses, o processo administrativo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença encontra-se sobre a mesa do ministro da Justiça. Em 5 de abril de 2012, a Consultoria Jurídica do ministério manifestou-se pela aprovação dos estudos elaborados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) – que comprovam, de forma conclusiva, a tradicionalidade da ocupação do território tupinambá. Caberia então ao ministro assinar uma portaria declaratória, encaminhando o processo para suas etapas finais. O prazo legal para tanto, conforme o Decreto 1.775/96, que regulamenta a demarcação de TIs, é de 30 dias. Questionado sobre sua inação, o ministro limitou-se a afirmar que o processo “está em análise criteriosa”.
O processo de identificação da TI Tupinambá de Olivença teve início em 2004, como resultado de prolongada pressão por parte dos indígenas. Cinco anos depois, a Funai aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a TI em cerca de 47 mil hectares, estendendo-se por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. De acordo com dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para 2009, cerca 4.700 Tupinambá vivem na área. Somente após a assinatura da portaria declaratória o processo poderá se encaminhar para as etapas finais, incluindo o pagamento das indenizações devidas aos ocupantes não indígenas e o reassentamento daqueles que têm perfil de cliente da reforma agrária. Em face da ilegal e abusiva demora no processo de demarcação da TI, o MPF propôs ações civis públicas responsabilizando o Estado por não cumprir sua atribuição legal de proteger os direitos indígenas, conforme determinam a Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais de que Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em 25 de setembro último, o ministro da Justiça e o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), reuniram-se com lideranças indígenas e pretensos proprietários rurais em uma “mesa de diálogo”. Extrapolando suas atribuições legais, Cardozo, reportando-se aos indígenas em outra ocasião, condicionou a assinatura da portaria declaratória à não realização de retomadas de terras e à celebração de “acordos” entre índios e não índios, prevendo inclusive a alteração dos limites da TI, reduzindo sua área. Note-se que as “mesas de diálogo” são um mecanismo que o governo federal tem adotado em regiões de ocupação tradicional indígena onde há forte presença do agronegócio, como parte de uma estratégia que busca atrasar ao máximo a demarcação de TIs, em um quadro de aproximação cada vez maior entre o governo e os interesses ruralistas.
A paralisação do processo de demarcação da TI Tupinambá tem dado margem ao acirramento do conflito entre índios e não índios contrários à demarcação. A recente escalada da violência teve início na noite de 14 de agosto, quando um caminhão que transportava estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, na porção mais interior da TI, foi alvejado em uma emboscada. Ninguém foi baleado, mas estilhaços de vidro feriram Lucas Araújo dos Santos (18 anos) e Rangel Silva Calazans (25), no rosto e no peito. Nos dias subsequentes, não índios atearam fogo em veículos de órgãos públicos e em um ônibus escolar. Desde então, os Tupinambá vêm recebendo ameaças cotidianas e tiveram parte de sua produção agrícola (cacau e farinha de mandioca) roubada; não-indígenas que os apoiam sofreram tentativas de linchamento; comerciantes identificados com os índios tiveram suas lojas atacadas. Por razões de segurança, os indígenas têm restringido sua movimentação, o que impede o acesso a serviços de saúde e acarreta significativos prejuízos econômicos, ao impossibilitar a comercialização da produção agrícola.
Da Rede Brasil Atual