Vale-Cultura deverá injetar R$ 60 mi/mês no mercado

Projeto tem potencial para atingir 12 milhões de trabalhadores, informa o Ministério da Cultura

Cerca de R$ 60 milhões serão colocados, todos os meses, nas mãos de brasileiros com carteira assinada, para serem gastos exclusivamente em livros, CDs, DVDs, ingressos de cinema e de teatro, espetáculos de música, de dança e em outros bens culturais no primeiro ano do projeto. A estimativa é que no primeiro ano o programa de Vale-Cultura conte com a adesão de apenas 10% das empresas e trabalhadores.

Mas o potencial de injeção de recursos no mercado cultural do país é bem maior, de R$ 600 milhões mensais – ou R$ 7,2 bilhões anuais. Isso se o benefício de R$ 50 para gastos com produtos culturais chegar aos 12 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada que estão em empresas que operam com declaração de ajuste de imposto de renda.

O governo federal e o Ministério da Cultura (MinC) acreditam na força dessas projeções econômicas e financeiras para convencer o Senado a aprovar o Projeto de Lei da Câmara nº 221/2009, que prevê a instituição do Vale-Cultura no país.

O projeto, apresentado este ano pelo governo, corre em regime de urgência urgentíssima. Foi aprovado pela Câmara dos Deputados em outubro. Até o inicio de 2010, deverá receber a bênção dos senadores e a sanção final do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Primeiro, o governo cadastra empresas concessionárias para administrar o serviço entre os empresários e seus empregados com carteira assinada. Essas empresas terão papel semelhante às que fornecem os cartões magnéticos nos atuais programas de vale-alimentação.

As concessionárias identificam as empresas decididas a fornecer o Vale-Cultura aos seus funcionários.

Cada empresa interessada em oferecer o vale entregará à concessionária uma lista com os dados dos funcionários interessados em receber o cartão magnético com o benefício.

O trabalhador receberá um cartão.

Todos os meses, o cartão será carregado com um valor (o inicial será de R$ 50). O ministro da Cultura, Juca Ferreira, lembra de pontos importantes da realidade cultural brasileira:
– O mais interessante do projeto é que o principal beneficiado é o consumidor, e não o produtor de cultura. Vivemos uma segregação cultural no Brasil. Os levantamentos do IBGE mostram que 87% dos brasileiros não freqüentam cinemas, 78% jamais foram a um espetáculo de dança, 93% nunca visitaram uma exposição de arte e 96% não sabem o que é um museu. Apenas 17% compram algum tipo de livro. Consumo cultural ainda é um luxo para uma elite que representa menos de 20% da população.

E acrescenta:
– Será um vale para alimentar a inteligência e o espírito.

O dinheiro do Vale-Cultura só poderá ser gasto na compra de produtos e serviços culturais, ou seja, em livros, CDs, DVDs, revistas, guias e ingressos para museus, shows e espetáculos de teatro e dança.

As restrições e a realidade remetem a uma dúvida: será que a falta de hábito de consumo destes serviços não levará parte desses trabalhadores a vender ilegalmente o benefício, como ocorre em muitos casos com os vales transporte e alimentação?

Em entrevista, o secretário de Fomento à Cultura do Ministério da Cultura, Roberto Nascimento, admite que isso poderá acontecer. Mas alerta:
– Adquirir bens de outra natureza com esses recursos será crime. O governo e a sociedade farão um esforço muito grande para sustentar esse projeto. Por isso, a fiscalização e as punições serão rigorosas.

A adesão ao Vale-Cultura não será obrigatória nem para empresários nem para trabalhadores.

Enquanto o dono da empresa não aderir ao vale, seus funcionários não poderão reivindicá-lo. E, se o empresário resolver entrar no projeto, o funcionário, ainda assim, poderá optar por não participar.

Para quem ganha até cinco salários mínimos brutos (R$ 2.325,00), o empregador poderá descontar até 10% do valor do vale (R$ 5) no salário.

Entre os que recebem acima de cinco salários, o percentual autorizado varia entre 20% e 90% do valor do vale (R$ 10 a R$ 45).

Mas, se quiser, o empresário poderá não descontar nada de seus funcionários, como, aliás, ocorre em alguns casos no vale-alimentação.

Todo empresário que adotar o Vale-Cultura em sua empresa poderá descontar o dinheiro que ele gastou no programa no imposto de renda devido, na declaração de ajuste e até o limite de 1% do total. Além disso, parte das despesas operacionais poderá ser dividida com o governo.

O “esforço da sociedade” a que se refere o secretário Nascimento será, exatamente, essa renúncia fiscal a ser feita pelo governo para financiar o projeto.

Renúncia fiscal é um desconto de imposto que o governo oferece a um setor – o dos empresários, por exemplo – para que este grupo, em troca, financie algum projeto interessante para toda a sociedade.

É exatamente o caso do Vale-Cultura. Neste projeto, os empresários poderão descontar o valor gasto em seu imposto de renda devido, até o limite de 1% do total.

Hoje, há 12 milhões de trabalhadores com carteira assinada empregados em empresas que operam com declaração de ajuste de imposto de renda, o sistema tributário em que serão permitidos os descontos para o Vale-Cultura.

Deste total, nove milhões ganham até cinco salários mínimos mensais.

Ao se multiplicar esses 12 milhões de trabalhadores pelo valor unitário mensal do vale (R$ 50), chega-se ao valor de R$ 600 milhões mensais que o governo federal projeta como teto potencial de todo o projeto.

Mas este valor só será atingido se praticamente todos os funcionários do universo do projeto forem incluídos, o que, hoje, é um sonho distante.

Setores do Ministério da Cultura e do empresariado acreditam que, no primeiro ano, a adesão ficará em torno de 10% das empresas e dos trabalhadores. Por isso a estimativa inicial de uma injeção média de R$ 60 milhões mensais no início do programa.

A gerente de Cultura do Sesi (Serviço Social da Indústria), Cláudia Ramalho, também aposta neste índice de adesão inicial. E acrescenta: a intenção do Sesi e da CNI (Confederação Nacional da Indústria) é fazer campanha para esclarecer o setor sobre as vantagens de se adotar o programa:

– Particularmente, o projeto me entusiasma. Trabalhador mais culto é trabalhador mais feliz e produtivo. Na CNI e no Sesi, já estamos esclarecendo os empresários sobre as vantagens e eventuais pontos discutíveis do programa. Os líderes sindicais deverão caminhar no mesmo sentido. O ideal é que as informações não faltem, para que todos tomem a melhor decisão com segurança.

Um detalhe curioso: a oposição tem acusado o governo de buscar a rápida aprovação do Vale-Cultura no Congresso, em regime de urgência urgentíssima, para que o programa seja implantado antes da estreia nacional de Lula, o Filho do Brasil, a cinebiografia do presidente Lula dirigida por Fábio Barreto, prevista para o dia 1º de janeiro. O ministro Juca Ferreira contesta a tese:

– Lula tem pelo menos 80% de popularidade em qualquer situação. Não precisa disso.

Do R7