Vão ter que engolir a ´nova classe C´
Juntas, classes C e D já representam um mercado de R$ 834 bilhões no país
Por Vanilda Oliveira*
A empedernida elite brasileira vai ter de engolir ou, no mínimo, aprender a conviver com esse fenômeno sem precedentes no País que é a nova classe média. Abonada de berço e preconceituosa por herança terá de digerir o batalhão que ascendeu à classe C assim como teve de reconhecer um operário nordestino na Presidência da República que atingiu a estratosfera da popularidade nacional e internacional e elegeu a sua sucessora.
Viajar de avião, se espalhar nas praias nordestinas (e ruas portenhas); almoçar em um restaurante sem pesar a comida; ter uma TV gigantesca na sala, um carro zero km na garagem e filhos em escola particular são situações e bens acessíveis a muito mais brasileiros atualmente.
Bom para a economia e o “esperto” mercado, mas nem tanto para uma parcela da população que não suporta conviver nem dividir com “essa pobraiada emergente” espaços em aeroportos, aviões, shoppings, restaurantes, clubes, teatros. Para essa elite preconceituosa, a nova classe C deveria continuar na periferia, confinada ao tripé casa-trabalho-Praia Grande (uma vez por ano) “porque não sabe se comportar, não sabe comprar, não sabe escolher nem merece mais do que trabalhar para sobreviver”, de preferência sem carteira assinada.
Ao ter de dividir espaços antes quase restritos a uma minoria, essa elite deixou aflorar o preconceito latente por não aceitar que o País mudou e que distribuição de renda foi além do Bolsa Família e das periferias. Sem reconhecer a importância dessa mobilidade social, torce o nariz para um cidadão que se atrapalha no check in da sua primeira viagem aérea em vez de ajudá-lo e orientá-lo. Cidadania zero.
Por força das regras do capitalismo, grandes empresas e redes de varejo já se adaptaram a esse novo perfil de consumidores brasileiros. Fizeram a lição de casa por diagnosticar que a alta do poder aquisitivo da população, com o consequente aumento do consumo das famílias, fez esse contingente emergir após o ostracismo dos recessivos anos 1980.
De hiperlojas a empresas de plano de saúde, o mercado correu para lançar novos produtos e formas de atendimento que contemplassem os neo-C. Até nomes da moda brasileira só vistos nas inatingíveis fashion week agora assinam roupas de R$ 49,90 para lojas populares como Renner, C&A e Riachuelo. Concessionárias de automóveis se desdobram para atender clientes que pela primeira vez aceleram um carro zero km. Bancos também criaram carteiras específicas aos sem-talão de cheques e companhias aéreas passaram a vender passagens em lojas de eletrodomésticos (em 2011, quase 2,4 milhões de brasileiros entrarão em um avião pela primeira vez).
Todos os setores (que visam lucros) estão de olho no cartão de crédito dos bons pagadores da classe média, fatia caracterizada por famílias com renda entre R$ 1.115 a R$ 4.807. Qualquer empresa do mercado de consumo hoje só assume a liderança se tiver produtos adequados a esse segmento mediano.
Mas até esses totens do capitalismo admitem que não foi tão fácil desenvolver modelos de negócios para esse público porque “a estrutura mental dos executivos e suas idéias ainda estão muito influenciadas por uma cultura de alta renda” (palavras de professor da FVG). Será preconceito?
Dizer que “a classe C é o motor do crescimento do Brasil”, virou clichê reproduzido à exaustão por acadêmicos e especialistas confirmado por pesquisas de consumo popular. Mas vale repetir bons números. Hoje, a classe média brasileira tem mais de 103 milhões de pessoas, das quais cerca de 31 milhões subiram para o centro da pirâmide social a partir de 2002. O poder de consumo das classes C e D (59% da massa de renda) supera o das classes A e B (40%). Juntas, C e D já representam um mercado de R$ 834 bilhões.
Esses milhões de brasileiros consomem ancorados na certeza de que poderão pagar o que compraram porque vivem em um País estável e têm emprego com carteira assinada, têm perspectivas e confiança. Mais: não estão nem aí para o preconceito de quem não entende que todo brasileiro tem direito a comer uma fatia do bolo.
*Vanilda Oliveira é coordenadora da Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC