Viagem|Berlim dos heróis esquecidos

Um túmulo vazio e um homem desconhecido. Assim se pode descrever um dos recantos mais lindos de Berlim, desconhecido da maioria dos visitantes da capital da Alemanha, onde jaz uma cicatriz que não desaparece, como os ideais que não morrem

Ideais não morrem
Ao contrário de Lênin, que foi removido da história, Karl Marx e Friedrich
Engels ainda são lembrados em estátuas na Alexanderplatz

Por Flávio Aguiar

O recanto fica em Friedrichshain, que quer dizer “O bosque (ou o parque,
no caso) Friederich”, na antiga Berlim Oriental. Para chegar até lá é
necessário ir até a Alexanderplatz, uma vasta praça em frente ao prédio
vermelho da prefeitura de Berlim. Nessa praça está um dos símbolos mais
procurados da cidade: a enorme torre com um restaurante giratório quase
ao topo.

O “parque Frederico”
atrai menos gente, mesmo dos arredores, embora seja concorrido nos dias
de verão. De Alexanderplatz até lá deve-se ir até os fundos da praça,
já perto da estação do metrô, e lá tomar o bonde – sim, o bonde! –
número 6. Daí seguir umas quatro paradas: à esquerda se vêem os verdes
do parque.

Descendo do bonde
deve-se atravessar a avenida, à esquerda. No parque, toma-se à direita.
E caminha-se um bom pedaço, até chegar a uma rua calçada – sim,
calçada! – com paralelepípedos. Atravessando-se a rua, toma-se à
esquerda. De repente, no meio dos arbustos povoados por pássaros, mesmo
no inverno, descortina-se um soldado. Soldado? Marinheiro, pelo gorro?
Tanto faz. Está armado. Mas é de granito. É uma estátua.

Logo
atrás dele vê-se o recanto. É um quadrado, com cerca formada por
ciprestes, e um gramado no meio. Entre os ciprestes que o circundam há
lápides. São túmulos. As lápides são pequenas e estão dispostas no
chão. Num dos cantos do quadrado há um aglomerado de lápides maiores.
São diferentes, sobressaem do chão, parecem caixões semi-enterrados. No
centro do quadrado há uma pedra com palavras inscritas. Ali estão
enterradas as vítimas da repressão contra os levantes populares de 1848
e de 1918. Ao todo somam umas 40 lápides. Mas que lápides!

Uni-vos!
Em 1848 trabalhadores, estudantes, idealistas e libertários se
levantaram em nome dos seus direitos e das liberdades democráticas
diante dos governos conservadores e monarquistas em quase toda a
Europa. Houve levantes em Paris, Madri, Viena, Munique, Berlim e outras
cidades. À futura Itália o levante popular levou de volta o condottieri
Giuseppe Garibaldi e sua mulher, a brasileira e farroupilha Anita, que
lá morreu.

Em
fevereiro desse mesmo ano Karl Marx e Friedrich Engels lançaram o
Manifesto Comunista, com seu famoso motto: “Trabalhadores de todo
mundo, uni-vos. Nada tendes a perder senão vossas cadeias”.

Os
levantes de 1848, em toda parte, depois de rápidas e efêmeras
conquistas, foram reprimidos a ferro e fogo num movimento político que
consolidou as alianças conservadoras entre as novas burguesias
industrial e financeira e os remanescentes das fanadas aristocracias de
origem rural. Na França isso deu no regime de Napoleão III. Na futura
Alemanha, até então um território de principados, ducados e pequenos
condados desunidos, deu num regime progressivamente unificado sob o
comando da Prússia, ao norte, com centro em Berlim.

As
lápides maiores são das vítimas da repressão aos movimentos de
trabalhadores de 1918, ao fim da Primeira Guerra Mundial. São cerca de
uma dezena. Era um momento crucial. A Alemanha exaurida pela guerra se
rendia às potências França-Inglaterra-Estados Unidos. Exasperados, os
trabalhadores exigiam a paz e melhorias nas condições de vida. Os
líderes do movimento eram chamados de “espartaquistas”, numa referência
ao legendário líder da revolta dos gladiadores romanos, 2 mil anos
antes. Enquanto a guerra e a Alemanha recém-criada agonizavam, os
líderes foram caçados e assassinados. Entre eles os mais famosos eram
Karl Liebknetch e Rosa Luxemburgo.

Rosa foi caçada, espancada e jogada ainda viva no gelado