Viagem|Entre Lisboa e Sintra

Por trás da imponência das fortalezas está o ouro do Brasil. Mas de onde vêm os tristes fados e as delícias misteriosas de Portugal.



Palácio da Pena

Os travesseiros de Sintra

Por trás da imponência das fortalezas de Portugal está o ouro do Brasil. Mas os mistérios sorvidos nos folhados recheados de creme, nos pastéis de Belém ou numa taça de Ginja não estão ali para ser explicados

Por Paulo Salvador

Com as novíssimas auto-estradas que cruzam Portugal, construídas pelas parcerias público-privadas da União Européia, menos de uma hora separa Lisboa da vila histórica de Sintra, na Estremadura. Calcário branco, terra arenosa e vegetação rasteira, predominantes no país, ali dão lugar às florestas abundantes e preservadas do Parque de Sintra. A estrada cruza Cascais, beira o Autódromo do Estoril, insinua-se até o sopé das enormes colinas. Um pouco mais à frente ficam o ponto mais ocidental da Europa e o Atlântico, de frente para o Novo Mundo.

Os cobiçados travesseiros, compostos de um misterioso creme açucarado envolto em massa folhada, já justificariam aquele passeio a Sintra. Mas o lugarejo ainda guarda uma das fortalezas estampadas na bandeira portuguesa, símbolos das vitórias contra os invasores mouros. Por uma estreita e íngreme estrada de paralelepípedos, sem calçadas, cercada de árvores frondosas, chega-se ao conjunto de parque e palácio da Pena – por séculos, a residência de verão da família imperial, refúgio perfeito para amenizar aqueles 42 graus de uma tarde de julho. Um quilômetro acima fica o castelo, encravado no cume. Suas paredes, que deslizam pelas escarpas para garantir segurança contra qualquer ataque, dão a noção do enorme trabalho que os operários tiveram para erguê-las.

Como centenas de outras edificações medievais que se espalham pela Europa, fortalezas voltadas para a proteção de seus habitantes, dezenas de aposentos, passeios, varandas e vistas espetaculares, com muitos, muitos objetos mitológicos, adornos rupestres, brasões, armas, peças chinesas, imagens indianas e muita cruz, pouco erotismo, tudo representa poder e conquista. O comentário de um turista português leva a visita a uma viagem pela História. “Foi Pedro II que construiu este palácio.” Percebendo a dúvida sobre qual Pedro, corrige: “É outro Pedro, o Pedro I no Brasil, aqui Pedro IV”. E emendou um comentário sobre o nosso Pedro, de mulheres e cachaça, como o da minissérie O Quinto dos Infernos. Foi nessa hora que a ficha caiu: ali estava o ouro do Brasil!

Em 1427, Portugal chega aos Açores e inicia um passeio de conquistas pelo mundo. A primeira parte daquele palácio foi construída naquele ano. Seguem-se Terra Nova, Cabo Verde, incursões pelo Marrocos, tomada de Tanger, Congo, Groenlândia, até que aparecem Colombo, Vasco da Gama, Bartolomeu Dias e Américo Vespúcio e Cabral e a História dos bancos escolares.

Na virada para o século 16, Portugal vive a idade do ouro e é possível alinhar cada nova construção a cada nova conquista além-mar. As riquezas extraídas da África, da Ásia e da América do Sul financiam um generoso desenvolvimento arquitetônico. O Palácio da Pena e o Convento da Ordem de Cristo, em Tomar, são ampliados, constroem-se o hoje imponente Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém à beira do Tejo, em Lisboa. O gosto pelo azulejo, a imponência e a sofisticação das obras marcam o estilo manuelino.

Ao final do século 18, Pedro II, ele, o sujeito citado pelo português, torna-se rei absoluto apoiado nas minas de ouro e diamantes do Brasil, que o transformam em um dos monarcas mais ricos da Europa. Enquanto isso, o Brasil segue estagnado. Vive outras tentativas de ocupação por europeus e a implantação das usinas de açúcar, que puxaram a vergonhosa escravidão. Durante três séculos, Portugal deitou-se em berço esplêndido, até que em 1755 um terremoto destrói Lisboa e sua reconstrução, pelo marquês de Pombal, consome riquezas e leva a um crescente endividamento.

Historiadores descrevem o período como de enorme atr