Viagem|Entre o caos e o cais

O destino pode estar a dias dali, via Rio Negro. Alguns trazem a vida toda para dentro dos barcos da Manaus Moderna


Para a maioria das pessoas, as expectativas estão voltadas para a chegada. Alguns trazem a vida toda para dentro dos barcos da Manaus Moderna, com o intuito de reiniciá-la em outro porto seguro.
Todos os dias, milhares de pessoas dizem não às instalações do porto privado e espremem-se
num ambiente caótico, sujo, com grande risco
de acidentes dentro e fora dos barcos

Por João Correia Filho, texto e fotos

Uma moto embarca por 60 reais. Sabão e água sanitária a 1,50 cada garrafa de 2 litros. Bananas viajam por 60 centavos o cacho e 2 reais é o preço para levar um saco com 60 quilos de farinha. Perfumaria é mais caro, entre 5 e 10 reais, dependendo da fragilidade do frasco. Um carneiro pode ir por 4 reais. Cachorro com dono vai de graça. No mais movimentado porto da capital amazonense, conhecido como Manaus Moderna, não é fácil decifrar a lógica dos valores cobrados no embarque de produtos. As tarifas seguem uma ordem pouco compreensível para quem está à margem desse universo que tem o Rio Negro como via de acesso a centenas de cidades do norte do país.

Rarison Silva, tripulante do barco Elyon Fernandes I, conta que em geral o frete é cobrado por volume, “mas pode variar”, de acordo com as posses de quem despacha, com o dia do embarque, o tempo e, principalmente, com a forma como a embalagem se encaixa nos porões de cada barco. Próxima de importantes entrepostos de mercadorias, incluindo o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, inaugurado em 1882, a região é ponto de convergência de milhares de comerciantes e viajantes que lotam os barcos de mercadorias e histórias. Tanto a localidade como o porto receberam o nome de Manaus Moderna durante um projeto de urbanização realizado em 1994, que transformou a área em zona portuária e de comércio. Hoje sua modernidade está justamente na resistência ao moderno. Rivaliza com as novas instalações do antigo Porto de Manaus, local oficial de embarque para destinos nacionais, internacionais e contêineres. Construído em 1902, para escoar os negócios milionários da borracha, foi restaurado e modernizado com guichês informatizados, monitores que indicam horário de partida e de chegada, como em aeroportos. A idéia não prosperou, embora o prédio chame a atenção de muitos, principalmente dos turistas.

Em Manaus Moderna tudo é mais simples. Os guichês são guarda-sóis, a lanchonete é um trailer adaptado e o anúncio das partidas é no grito. Três grandes balsas unem-se à terra firme por pontes improvisadas, que substituem as escadas deterioradas pela presença constante da água. Mesmo assim, todos os dias, milhares de pessoas dizem não às instalações assépticas do porto privado e espremem-se num ambiente caótico, com risco de acidentes dentro e fora dos barcos.

Em Manaus Moderna as passagens custam de 20% a 50% menos do que no embarcadouro oficial. Uma passagem para Tabatinga, de 268 reais no guichê, pode sair por 200 nas ruas. “Negociamos direto com o dono do barco, sem aquele monte de impostos cobrados lá dentro”, explica Jailson Silva, um entre centenas de vendedores de bilhetes que circulam na calçada estreita.

Para ele, outra razão é o embarque com mais agilidade, sem passagem por raio X, Polícia Federal, taxas ou limites de carga. O ritmo frenético dos carregadores dá velocidade ao porto. Entre passageiros que se acumulam na proa, passam caixas de frutas, colchões, material de construção, passa cerveja, passa fogão, passa mamão, passa gente, passa açúcar, passam bananas-passas. Tudo muito rápido. Todo mundo tem pressa de entregar e de receber. Uma passagem a bordo do Comandante Santana, com destino a Nhamundá, em território amazonense, ou Faro e Terra Santa, no Pará, custa 30 reais, com direito a dois dias sobre as águas e uma re