VIDAS INTERROMPIDAS
Perseguidos pela ditadura militar, metalúrgicos perderam seus empregos, parte da vida e, agora, tentam uma reparação do Estado brasileiro. Muitas destas histórias foram lembradas ontem, em São Bernardo, durante sessão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Comissão julga anistia e indenizações a metalúrgicos
Várias histórias de vidas
interrompidas por prisões,
perseguições e fugas
dos agentes da ditadura
militar foram lembradas ontem
no plenário da Câmara
Municipal de São Bernardo,
durante a sessão especial
realizada pela Comissão de
Anistia do Ministério da
Justiça.
Ao longo do dia, a Comissão
analisou 41 pedidos
de metalúrgicos com as
reivindicações de anistia e
reparação econômica, já que
perderam seus empregos ou
foram prejudicados de outra
forma entre 1964, ano do
golpe militar, até 1985, fim
da ditadura.
Ao abrir a sessão, o
presidente da Comissão de
Anistia, Paulo Abrão, disse
que a maior parte dos casos
referia-se a participação dos
trabalhadores nas chamadas
greves histórias, nas décadas
de 70 e 80.
Ele alertou também
que a Comissão está revendo
os critérios para o cálculo
do benefício. Antes, o
cálculo era feito com base
nos valores pagos no topo
de carreira da função do
trabalhador perseguido, e
agora passou a ser feito com
base na média dos salários
pagos naquela função. A
sessão foi aberta pela manhã
e se estendeu até à noite.
“Fui fazer bicos para sobreviver”
Zoraide Gomes de Oliveira era militante da
Ação Popular (AP), grupo de esquerda que atuava
na clandestinidade com conscientização política dos
trabalhadores e, em 1969, foi trabalhar na Cofap.
Entrar numa fábrica era uma das táticas da
AP para fazer conscientização dos trabalhadores
a resistir à ditadura e lutar pela democratização do
País. Depois que se casou com Luiz Henrique, que era da
direção da AP, Zoraide foi morar em Belo Horizonte, onde
continuou a militância política.
Em dezembro de 1971, ela foi presa, acusada de distribuir
panfletos subversivos. O marido, também procurado,
conseguiu fugir.
Ela ficou presa até dezembro de 72, depois
foi condenada e passou mais seis meses na prisão.
“Tudo isso sem nenhuma prova”, conta ela. O pior,
disse, foi o desaparecimento de sua filha, que na
época tinha 1 ano e meio. “Fui vê-la meses depois,
quando pedi para meus pais cuidarem dela”.
A partir da prisão, Zoraide teve dificuldade de encontrar
serviço. Viveu fazendo pesquisas de opinião pública
e outros serviços esporádicos. Em 1981, foi morar em
Brasília e lá refez sua vida. Hoje, ela trabalha na Secretaria
de Trabalho do Distrito Federal.
“Nunca mais consegui emprego com carteira assinada”
Lúcia Boaretto entrou na Volks em 1973 como
auxiliar de escritório e lá ficou até 1980, quando já
trabalhava como secretária.
Nascida em família de operários, com pai soldador
e irmão ferramenteiro, Lúcia tinha trabalho
no bairro onde morava, em Santo André, com os
movimentos de alfabetização e de oficinas comunitárias.
Envolvida com a luta dos trabalhadores, participava
das greves e fazia arrecadação de doações para o Fundo de
Greve. Em 1980, ela foi demitida por justa causa.
“Devem ter me visto em alguma mobilização
e meu nome foi parar em alguma lista de pessoas
indesejadas que circulavam nas empresas”, conta
Lúcia. Nunca mais conseguiu emprego com carteira
assinada. Na época, vendeu o carro, mudou-se para
uma casa modesta e passou a fazer bicos. Entre
1984 e 87 trabalhou de zeladora e depois montou
um pequeno comércio, que tem até hoje.
“Parece que ficou uma marca na minha vida, pois
nunca mais consegui emprego com carteira assinada”,
comentou.
“Estava numa lista com mais 150 trabalhadores”
Keiji Kanashiro entrou para a Juventude Estudantil
Católica (JEC) aos 16 anos e depois passou
a militar na Ação Popular (AP). Participou do movimento
estudantil e, em seguida, foi trabalhar na
periferia da capital. Em 1971, ainda como militante
da AP, foi trabalhar como analista na Mercedes
Benz, participando das greves e ajudando no Fundo
de Greve.
Em 1980, mesmo com estabilidade negociada pelo
Sindicato, foi demitido da montadora. A partir daí,
passou a ter dificuldade de conseguir emprego pois
seu currículo era rejeitado em todas as empresas.
“Anos depois, fiquei sabendo de uma lista
com cerca de 150 trabalhadores que circulava entre
o pessoal de Recursos Humanos aqui da região”,
comentou.
Ele disse que passou a ter uma vida de altos e baixos.
Continuou a estudar e depois de formado foi lecionar.