Vinicius da Silva: Sobre o Projeto (ACE) dos Metalúrgicos do ABC

Por Vinicius da Silva, advogado do Sindicato dos Bancários do ABC e mestrando em Direito do Trabalho pela USP, no site do PT

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) apresentou à sociedade um projeto de lei que cria o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.

Trata-se de proposta que visa aperfeiçoar as negociações coletivas e instituir a organização sindical no local de trabalho, duas bandeiras históricas dos setores que defendem a liberdade sindical.

A ideia geral é que os sindicatos se organizem nas empresas através de comissões locais eleitas diretamente pelos trabalhadores. Preenchidos requisitos objetivos de ambos os lados, as partes poderiam negociar livremente as condições gerais de trabalho na empresa. Os requisitos envolveriam, do lado sindical, mais da metade da categoria filiada, comissão sindical na empresa funcionando regularmente e votação direta e secreta para aprovação do acordo; do lado empresarial, ausência de condenação por práticas anti-sindicais.

Esse acordo coletivo qualificado observaria tão somente o art. 7º da Constituição. Cláusulas em desacordo com a CLT poderiam ser aprovadas e aqui talvez resida o principal elemento dessa proposta: trata-se de uma tentativa de superar a septuagenária CLT.

O SMABC foi o principal, mais forte e mais organizado sindicato do Brasil nas últimas décadas. Não é coincidência Lula ter saído de lá. São as categorias mais fortes de trabalhadores que impulsionam o movimento sindical como um todo e são as que detém mais poder de fogo na hora de negociar com as empresas ou realizar uma greve. Por isso, são as que mais defendem a liberdade sindical em todos os seus pontos.

Ocorre que o Brasil é um país deveras desigual. As condições de vida e de trabalho de um metalúrgico do ABC são infinitamente mais elevadas do que as condições de vida e de trabalho de um camponês no canavial por exemplo. Para um metalúrgico, um acordo coletivo é muito mais importante que a CLT; pra o camponês, é o oposto. Por isso, há uma preocupação no projeto em “afunilar” as entidades que poderiam celebrar o tal acordo com propósito específico: somente as mais fortes, que tem capacidade de enfrentar os empresários e organizar uma greve.

Os metalúrgicos têm 30 anos de experiências de comissões de fábrica e propõem esse modelo de organização. Com o sindicato na empresa, a resolução dos conflitos trabalhistas é diário e democratizam-se as relações entre capital x trabalho. E mais: a proposta do SMABC ataca o poder diretivo das empresas, poder segundo o qual as empresas mandam e os trabalhadores obedecem.

Como a idéia é democratizar as relações nas empresas com o fortalecimento da representação sindical e das negociações coletivas, relativiza-se o poder diretivo e os trabalhadores ganham importância na gestão. Um exemplo de como isso é importante: entre os bancários, um dos maiores problemas são as metas draconianas que acabam com a saúde física e psíquica dos empregados. A resposta da Justiça do Trabalho está muito aquém do necessário; somente com a negociação das metas o problema seria resolvido e a isso os bancos resistem porque fere seu poder diretivo.

Há diversos exemplos atuais, mormente nos países mais ricos, de participação dos trabalhadores na gestão das empresas. Experiências revolucionárias na Rússia, Alemanha ou França mostraram trabalhadores tomando as fábricas, redistribuindo tarefas e salários e reduzindo as jornadas.

A democratização das relações de trabalho avança com esse projeto proposto pelo SMABC. O Estado já foi democratizado há mais de um século, mas a economia continua tiranizada pela propriedade privada e o conseqüente poder diretivo. Quando europeus e americanos vão às ruas pedir “democracia real” querem dizer isso: de nada adianta o Estado ser democrático se a economia continua submetida ao interesse de uma minoria. Em palavras do movimento, é por isso que 99% é roubada por 1% da população.

Os dez maiores fundos de investimento controlam o equivalente a 8,3 PIB´s brasileiros. Vimos agora a chantagem que o mercado financeiro e seus representantes governamentais impuseram à Grécia, forçando-a a recuar da submissão de um novo plano de ajustes ao referendo popular. Ativistas americanos do Occupy Wall Street são reprimidos e presos em massa. A economia não quer democracia porque mantém o controle os destinos da humanidade em umas poucas mãos.

A democratização das relações de trabalho proposta pelos metalúrgicos do ABC aponta para experiências avançadas de democratização da economia, onde a eliminação do desemprego e da pobreza também se encaixam. Se o socialismo é obra das classes trabalhadores, o SMABC impulsiona uma reforma que parece resolver os problemas do movimento sindical em particular e apontar saídas para a esquerda em geral.