Vinte e três países da América Latina planejam a Década dos Afrodescendentes
Reunião regional foi realizada em comemoração ao Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial na última sexta (21) e aos 11 anos da SEPPIR
Em reunião realizada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Ministério das Relações Exteriores nos últimos dias 20 e 21, em Brasília, representantes de 23 governos latino-americanos e caribenhos, da ONU, e de organizações da sociedade civil construíram um documento com propostas para o planejamento da Década dos Afrodescendentes, estabelecido pelas Nações Unidas (ONU) a partir de 2015.
A proposta, que será encaminhada para a presidência da CELAC – Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, expressa a posição comum do Grupo Latino-americano e Caribenho (GRULAC) e de outros fóruns multilaterais para as negociações junto à ONU no planejamento do decênio. A América Latina e o Caribe têm a maior população de afrodescendentes do mundo, estimada em cerca de 200 milhões de pessoas.
“Os países queriam ter uma oportunidade para discutir sobre a década dos afrodescendentes, e, nesse sentido, trouxeram contribuições muito importantes. Tiramos um documento final que reafirma todas as definições da declaração e do programa de ação de Durban, considerado por todos o documento mais importante e compreensivo sobre a questão do racismo e dos afrodescendentes no mundo”, explica a ministra da Igualdade Racial do Brasil, Luiza Bairros, referindo-se à III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada na África do Sul, em 2001.
O documento de Brasília recomenda estratégias internacionais, regionais e nacionais para promover a inclusão e superar o racismo, a discriminação racial e a xenofobia. Os países se comprometeram em combater toda forma de exclusão e marginalização dos afrodescendentes, causas fundamentais e fatores agravantes da discriminação.
Para o representante do governo da Colômbia, Moisés Medrano, o decênio representa uma oportunidade única de mostrar ao mundo a participação histórica e atual dos afrodescendentes. “É também uma ocasião para que os governos revisem quais são as suas políticas e como estas têm que incluir, reconhecer e garantir justiça e chance de desenvolvimento à população, que tradicionalmente tem estado na última fila das políticas públicas em geral”, destacou Medrano, diretor de Povos do Ministério da Cultura do seu país.
Fórum de direitos
Entre as ações específicas apresentadas no documento estão o apoio à criação de um Fórum de Direitos dos Afrodescendentes na ONU; a elaboração de uma Declaração de Direitos das Pessoas Afrodescendentes (propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho sobre Afrodescendentes do Conselho de Direitos Humanos da ONU); e a ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.
Os Estados se comprometeram ainda em ampliar e aprofundar a coordenação regional na luta contra o racismo e na promoção da igualdade racial, tanto na CELAC quanto em outros fóruns regionais como a União das Nações Sul-americanas (UNASUR) e o Mercosul.
“Depois de Durban, esta reunião foi necessária para que a nossa região se reúna e apresente na próxima Conferência a nossa visão sobre o que está acontecendo, e sobre como internacionalmente podemos ter participação no desenvolvimento dos povos afrodescendentes e políticas de reparação. Tudo isso foi debatido para que a voz dos latino-americanos e caribenhos afrodescendentes seja ouvida internacionalmente”, disse Roger Samuel, Ministro da Diversidade e da Integração Social de Trinidade e Tobago, Caribe.
Estiveram representados na reunião Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguai e Venezuela.
O resultado da reunião será apresentado à presidência, à Troika e aos Conselheiros da CELAC, que possui um grupo de trabalho para desenvolver o plano de ação para a Década.
Direitos dos afrodescendentes e diversidade
Os direitos à liberdade da prática das religiões africanas, à cultura e identidade afrodescendente, assim como as garantias a sua participação igualitária na vida econômica, social e política foram reafirmados pelos representantes de Estado, que destacaram ainda a importância histórica da participação dos afrodescendentes na formação social, cultural, religiosa, política e econômica da região latino-americana e caribenha. Os representantes também se comprometeram em combater toda forma de exclusão e marginalização dos afrodescendentes.
O encontro possibilitou intensa troca de conhecimento sobre a situação dos povos da região. Durante os dois dias foram ouvidos testemunhos de representantes de governos e da sociedade civil sobre o histórico de luta pela igualdade racial e suas especificidades em cada país, como por exemplo, da Argentina, que em abril de 2013 aprovou a lei que institui o “Dia Nacional das e dos Afro-argentinos/as e da Cultura Afro”, Lei nº 26.852, e na Guatemala, que possui a maioria de sua população de origem indígena.
Explicando a situação argentina, onde há uma dificuldade histórica no reconhecimento da população afrodescendente, a militante Maria Gabriela Perez, da Associação Movimento Afrocultural de Buenos Aires, falou sobre a importância histórica da criação da data, considerada por ela o possível início de um reconhecimento da população afro-argentina.
“Durante muitos anos não se reconheceu, esconderam a nossa história. Não reconheceram sequer as raízes originárias africanas em nosso país. Se contou a história de modo tergiversado, e, por isso, é muito importante tudo que se está trabalhando nesse momento a partir do Estado e também o que propõe esta lei. Afinal, além da questão simbólica é importante que sejamos reconhecidos pelo Estado”, explicou.
Já o embaixador da Guatemala no Brasil, falou sobre a relevância do decênio para o seu país. “Para nós, a Década dos Afrodescendentes significa um reconhecimento e apoio à multietnicidade dos países multi-linguistas. A maioria em nossa Guatemala é descendente de indígenas, então, para a política de nosso país, e para o desenvolvimento social, é importante estar alinhados com qualquer movimento que apóie a eliminação da descriminação”, destacou Julio Martini.
A reunião possibilitou ainda, durante o encontro, o resgate das principais propostas do programa de ação elaborado pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes, que inclui, entro outros, a adoção de medidas especiais e ações afirmativas para reduzir as diferenças resultantes de circunstâncias históricas, e o compromisso dos Estados em adotar e implementar leis, políticas e programas que assegurem uma proteção efetiva dos afrodescendentes sujeitos à discriminação por razão de seu sexo, idioma, religião, opinião política.
No debate acerca das metas para o desenvolvimento das ações do decênio, o grupo destacou as propostas de criação de um Observatório de Dados Estatísticos sobre os Afrodescendentes na América Latina e no Caribe, de um Centro de Memória Histórica da região, assim como de um Fundo Ibero-americano em Benefício dos Afrodescendentes, todas apresentadas no Encontro Ibero-americana de Alto nível em Comemoração ao Ano Internacional dos Afrodescendentes – AFRO XXI, realizado em Salvador, Bahia, em 2011.
A reunião em Brasília
A reunião regional foi realizada em comemoração ao Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial e aos 11 anos da SEPPIR. “É muito importante para nós que essa celebração se desse com um trabalho que abre uma perspectiva importante para a nossa atuação, e, de certa forma, retoma o protagonismo do Brasil no debate sobre a questão do racismo e a promoção da igualdade racial no plano regional”, destacou Bairros.
Walter Robson, Co-presidente da Comissão Nacional Afro-Costariquenha, destacou a importância da ação brasileira no cenário latino-americano. “É muito importante o papel do Brasil na Década dos Afrodescendentes, pelas tarefas que tem feito, inclusive com esta convocação em que reúne a todos os países do continente para ter uma só posição. Nós, em Costa Rica, estamos muito comprometidos com o Brasil neste tema e em outros”, destacou.
Na mesa de encerramento, ministro interino das Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, disse que o governo brasileiro seguirá comprometido com a promoção da igualdade racial em todos os fóruns internacionais e que o trabalho desenvolvido na reunião de Brasília contribuirá para o êxito das negociações em Genebra. “A profusão de propostas revela convergências dos povos latino-americanos e caribenhos diante dos desafios para a superação das marcas da escravidão em nossa sociedade. Vamos trabalhar para transformar em realidade este consenso aqui alcançado. A luta contra o racismo constitui uma condição inescapável para a promoção de todos os direitos humanos e para o pleno respeito à dignidade das pessoas em nossa região”, finalizou.
Apoio aos países Caribenhos
O documento final trouxe ainda o apoio do grupo de países participantes à proposta da Caricom – Comunidade do Caribe, que pede indenização de países europeus devido à escravatura no período colonial. De acordo com o documento, a escravatura é considerada a raiz dos problemas socioeconômicos da região.
Da CUT Nacional