Violência|Ódio destrutivo

Mídia, políticos e conservadores atacam o ECA, em vez de trilhar o seu tão pouco conhecido caminho para a paz verdadeira.

Vozes sensatas se manifestaram enriquecendo o debate sobre a violência e a criminalidade. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, alertou: “Direcionar tudo em relação aos menores me parece uma atitude persecutória em relação à nossa infância”

Mais sabedoria, menos histeria

Alguns políticos e jornais receitam o ódio como remédio contra o crime e atacam o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas pouco ou nada fazem pelo seu efetivo cumprimento, que é onde está boa parte da verdadeira solução

Por Nilmário Miranda

Em 8 de fevereiro o Brasil entrou em estado de choque.
Uma gangue rouba um carro e arrasta por 15 minutos uma criança de 6
anos, João Hélio, presa ao cinto de segurança, ignorando todos os
avisos. A indignação tomou conta de todos. A gangue era composta por
cinco pessoas; um deles é adolescente, tem 16 anos, seu irmão de 23 era
o chefe. Os pais de um dos assaltantes o denunciaram à polícia e se
solidarizaram com os pais de João Hélio.

Nas
semanas seguintes, jornais e rádios do Rio, emissoras de TV e vários
políticos recorrem, com sensacionalismo e tom emocional, beirando a
histeria, a uma verdadeira campanha pela redução da maioridade penal
para 16 anos (apesar de só um dos cinco da gangue ser menor de 18 anos)
e contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como se esta
questão – os crimes praticados por adolescentes – fosse a causa
principal da violência.

No dia
seguinte, 9 de fevereiro, o presidente Lula, que estava em Salvador
lançando campanha contra a exploração sexual de crianças e adolescentes
durante o Carnaval, falou de improviso. Contou que ele e dona Marisa
ficaram estarrecidos com a brutalidade contra João Hélio, mas pediu
reflexão e prudência, alertando que a redução da maioridade penal não é
a solução para a criminalidade e a violência. Dias depois reuniu os
líderes de partidos aliados e recomendou-lhes evitar “legislação de
pânico”. Vozes sensatas se manifestaram enriquecendo o debate sobre a
violência e a criminalidade. A presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministra Ellen Gracie, alertou: “Direcionar tudo em relação aos menores
me parece uma atitude persecutória em relação à nossa infância”.

O
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, apontou medidas concretas
para reduzir a impunidade e a insegurança da sociedade com o sistema de
Justiça: acelerar a tramitação dos processos criminais nos tribunais do
júri, com a permissão para ouvir testemunhas de defesa e acusação numa
mesma audiência; impedir adiamentos de audiências sem motivos
relevantes; acabar com a figura do novo júri quando a pena exceder 20
anos. A Folha de S.Paulo foi um dos poucos jornais a recusar o fulcro
do debate na punição a crianças e adolescentes e indicou também medidas
concretas para reduzir a criminalidade.

Vale
lembrar que um grupo de criminosos, falando de celulares de dentro dos
presídios, aterrorizou e paralisou a maior cidade do país há menos de
um ano. Neutralizar a criminalidade de dentro dos presídios, impedir
celulares nas prisões, viabilizar a revista em advogados, acelerar os
processos nos tribunais do júri são medidas necessárias.

A
certeza da punição e a eficiência na aplicação da pena são mais
relevantes que a sua duração. O governo está no rumo certo ao investir
na integração das polícias, criar prisões federais seguras, apostar na
reforma do Judiciário e colocar na agenda a reforma dos Códigos para
acelerar os processos. O Senado contribuiu ao votar projeto de lei do
senador Aloizio Mercadante (PT-SP) agravando a pena de criminosos que
usam menores nos crimes.

Oportunismo